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Sobre alguns tópicos do livro "Regência Coral" de Oscar Zander

Para que possamos abordar este tópico nas aulas futuras, oriento a todos para que leiam o texto abaixo (Regência Coral - Oscar Zander). Façam uma análise relacionada com o seu cotidiano de trabalho artístico e produzam um texto que expresse pontos de concordância e/ou discordância ao que é proposto pelo autor, a partir de suas próprias experiências.
Poderão enviá-lo até o dia 04/11

Bom trabalho! Abraço a todos,
Mara Campos
 
Para facilitar a leitura dos comentários coloquei-os na sequencia ao texto do autor (em azul).

I - Conceito de Regência Coral
5 - A personalidade do regente
(páginas 27 e 28)
"Como o regente representa um papel perante o público, é evidente que este papel deve ser estruturado e vivido artisticamente.Até que ponto usa sua capacidade mímica, ou faz uso de seus gestos pessoais de dança, é o ponto essencial desta atividade. O importante é como ele harmoniza os gestos no todo. O máximo de atividade exterior pode ser necessário e justificado artisticamente, assim como muitas vezes o clímax de tensão artística se realiza num clima de máxima calma."


Não sei qual o contexto da citação acima. Se é do ponto de vista do trabalho de corpo do regente ou do papel social que representa a figura do regente, do maestro.
6 - O regente como formador e educador de seu grupo
(página 30)
"O regente deve, com sua técnica e conhecimento da literatura, saber entusiasmar e despertar cada vez mais o interesse do seu grupo,
para que os ensaios em suas muitas vezes intermináveis repetições, não se tornem monótonos, mas sejam fonte de renovação - apesar da repetição - e com isso levem a um gradativo aperfeiçoamento e maturidade." 
Concordo.


II - Breve histórico do desenvolvimento da regência
6 - De Mannheim até nossos dias
(páginas 46 e 47)
" Há o problema referente à fidelidade na execução da obra, contrapondo-se à liberdade interpretativa, assim como aquela regência que se adapta ao estilo, em oposição à outra onde predominam os procedimentos de ordem puramente pessoal e subjetiva de muitos regentes. Evidentemente, deve haver um estilo pessoal nos movimentos de cada um, porém este deve manifestar-se através de um conhecimento profundo de toda a prática do passado, do estilo das diferentes épocas, a fim de assegurar uma unidade de intenções estéticas conforme o espírito em que foram criadas as obras. Deve haver unidade nas intenções dos regentes, caso contrário, a anarquia consequente das liberdades pessoais prejudicaria a verdade histórica."
Existe uma tendência de associar a melhor escolha estética na interpretação da música de concerto à fidelidade de estilo. Contrariamente, na música popular, a tendência é associar a melhor escolha na opção de interpretar fazendo uma releitura. Ou seja, uma prezando a tradição outra a renovação. (note que é tendência, não a totalidade).
Creio que ambos os pensamentos estão corretos, mas devemos ter a consciência das causas em se optar por uma coisa ou outra, e são elas:
1.     A expectativa do público: determinados meios são tradicionais. Esperam de você o rigor do conhecimento histórico e a devida coerência estética. Outro público pode querer exatamente o contrário.
2. Saber qual a finalidade da realização: estudo e prática do estilo; estudo comparativo; estudo de criação artística baseada no estilo; estudo de outros estilos (vestir uma música com a outra roupa); objetivo artístico geral maior que o musical quando queremos dar um significado diferente do que quando usado de maneira usual; exercício de livre criação; divertimento; etc.
De qualquer maneira, tanto para música de concerto como para música popular, é preciso saber como foi executado tal tipo de música ao longo dos tempos por qual categoria de músicos e público e comparar com o que contemporaneamente é tido como o mais correto (por quais grupos, pois quase nunca haverá consenso).

VI - O regente e sua prática pessoal
3 - A concentração do regente; sua preparação pessoal
(páginas, 151, 152, 153 e 154)

"Todo trabalho coral, inclusive cada ensaio, é sempre uma atividade criadora e pedagógica."
 
Existe na citação acima uma contradição com muito do que está descrito pelo autor por aí abaixo. Se a atividade criadora é para os participantes do coral o regente deve priorizar aos componentes do grupo as atividades que possibilitem o ato da criação incluindo aí a indicação de um repertório e não a definição prévia feita exclusivamente por ele. Se a atividade é pedagógica parece que reflete a concepção bancária da educação, cf. se referia Paulo Freire às práticas de ensino em que o aluno (no caso o coralista) é visto como uma conta no qual o regente deposita seu conhecimento para depois poder sacar o que foi aplicado.*1
*1 - Exemplo de educação antidialógica é a "concepção bancária da educação" (FREIRE, 1983, p. 66), a qual mantém a contradição entre educador-educando (cf. idem, p. 67). A concepção bancária distingue a ação do educador em dois momentos, o primeiro o educador em sua biblioteca adquire os conhecimentos, e no segundo em frente aos educandos narra o resultado de suas pesquisas, cabendo a estes apenas arquivar o que ouviram ou copiaram. Nesse caso não há conhecimento, os educandos não são chamados a conhecer, apenas memorizam mecanicamente, recebem de outro algo pronto. Assim, de forma vertical e antidialógica, a concepção bancária de ensino "educa" para a passividade, para a acriticidade, e por isso é oposta à educação que pretenda educar para a autonomia.

[Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire / Vicente Zatti. - Porto Alegre : EDIPUCRS, 2007- Capítulo III - http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/3.6.html]


O que acontece é que esta é a tradição coral brasileira (talvez mundial, sei lá). O regente é o foco da atividade coral. Ele é a pessoa mais importante no trabalho. Os créditos do trabalho serão sempre dele. Os coralistas são meros peões. E isso dos créditos é tão arraigado que o regente mesmo não tem condição de mudar. Quando coloco os vídeos do Lumiá no YouTube as pessoas comentam “como é bonito seu trabalho” e não “como é bonito o trabalho dessas pessoas que cantavam no Lumiá”. Não vejo problema em receber os créditos como educador, como a pessoa que realizou o trabalho pedagógico que resultou num fazer artístico de qualidade, mas em receber os créditos de um resultado artístico que foi gerado pelo trabalho de todos.
 Mas o que lamento muito mesmo é que essa prática não é desestimulada. Ainda mais quando sabemos que na instância “Canto Coral” sempre acabam sendo as conquistas cultural/social/educacional uma realização de mais alto valor que a artística (embora a gente nunca possa pensar nisso, pois se o artístico é depreciado como objetivo as outras coisas não funcionam; elas se aglutinam sobre a atividade do fazer arte, do produto artístico que resulta desse trabalho coletivo). O regente deve saber que a atividade dele é imprescindível, que é linda, que é engrandecedora, mas que ele não passa de um professor como outro qualquer, digno como outro qualquer, admirável como outro qualquer e nada mais do que isso (nós artistas temos a tendência de achar que somos melhor que os outros).



O primeiro passo para planejar e preparar um ensaio é escolher a obra apropriada. (...) Que não seja uma música tomada ao acaso e simplesmente incluída entre as outras já ensaiadas, sem o menor critério estético. Não é qualquer quadro, por melhor que seja, que tem efeito ao lado de outro. Às vezes eles se anulam.
Fora o que foi comentado acima o regente como educador, como o “mestre de brincadeiras que ajuda seus coralistas a manifestar e desenvolver seu potencial” (*2) deve ter em mente que o repertório pode ter no mínimo três funções distintas, não necessariamente abarcadas ao mesmo tempo (na realidade quase nunca): 1. Função didática; 2. Função lúdica; 3. Função artística. Nesse último caso a observação acima é muito pertinente.
*2 - ver aqui no Hieroglifólio:  Metodologias para o ensino da música

(...) O texto deve ser estudado a fundo, pois muita coisa expressiva da música está em íntima relação com o texto. Este também deveria pesar na escolha da música para o programa ou para o grupo.
O texto é uma das linguagens contidas na atividade musical de um coral. O texto não deve ser esquecido, pois nenhuma das linguagens deve ser preterida. Isso não significa que em cada momento não estaremos elegendo uma ou outra como a linguagem principal, a que estará em primeiro plano.
Linguagens: uma música feita por um coral geralmente contém a 1. música pura; 2. O texto; 3. A expressão corporal (como um ator); 4. O figurino; 5. A arquitetura do espaço da apresentação; 6. A envoltura de significados do evento (se é um concerto, se é uma cerimônia, se é um encontro).


(...) Outro fator importante é o grau de dificuldade que uma partitura apresenta ao grupo. Nunca escolher músicas demasiado difíceis, só para mostrar que o grupo sabe e pode cantar coisas difíceis. (...) A música não tem sucesso pelo grau de dificuldade, mas antes pelo grau de perfeição e musicalidade com que é executada. É melhor executar bem uma partitura fácil do que executar sofrivelmente uma partitura difícil.
Concordo plenamente. Mas as vezes podemos colocar no repertório de ensaio algo maior que nossa capacidade, como uma atividade para o ensino musical.

(...) Outro fator que deve ser levado em consideração é a extensão e a exigência sonora da música. A obra a executar deve estar de acordo com a estrutura do agrupamento.
... de acordo com a capacidade técnica do grupo, de acordo com a função da música (cf. escrito acima)...

(...) O lugar, o espaço e ambiente onde as músicas deverão ser executadas também têm muita influência em sua apresentação. Assim, obras destinadas a grupos menores deveriam ser apresentadas em salas de ambiente camerístico e vice-versa.
Isso!

(...) O regente deverá absorver a obra como se fosse o próprio compositor. (...) Resumindo:
a - cantar todas as vozes até o completo domínio das dificuldades, que sejam rítmicas, intervalares ou de respiração e emissão.
 Isso faz parte do mito: o mito do regente de qualidade musical inalcançável, e por isso autoridade indiscutível. O músico perfeito que conduz as massas ignorantes para o Olimpo musical. E’ claro que o regente deve ter a capacidade de realizar o repertório, mas por que ele deveria saber cantar bem todas as vozes? Para poder ensinar, certo? Então um técnico de futebol precisa jogar melhor que os jogadores? Não. Ele deve saber ensinar, deve saber as táticas do ensino e do fazer musical, mas não precisa cantar melhor do que todos. Isso não quer dizer que ele não deva saber cantar bem. Claro que um técnico de futebol que mostra como se bate uma falta é muito eficiente nesse quesito, mas se ele não souber mais cobrar faltas terá outras maneiras de demonstrar. O regente tem que dar conta de ensinar, e tem quase que a obrigação de formar cantores melhores que ele. Se estes cantores aprenderam a solucionar sempre as questões rítmicas, intervalares e de emissão então que ele aproveite para aspirar performances mais ousadas.


 b - Uma vez sabendo todas as vozes, procurar imaginar a sonoridade e harmonia resultante destas. (...)
c / d - Sentar-se a um instrumento (órgão, piano) e cantar uma voz enquanto toca as outras. Passar cantando, uma a uma, por todas as vozes.
 Outro equívoco! Ele deve não imaginar, mas realmente ouvir internamente a harmonia resultante de todas as vozes que serão executadas. Se conseguir ouvir só olhando a partitura, ótimo. Mas se não, pode tentar o uso de um instrumento harmônico. Se não souber tocar, não há problemas. Use instrumentos mais modernos, que tocam sozinho pra você. Se não houver possibilidade nem disso, ensine as vozes para o coro e escute a sonoridade e a harmonia ali mesmo pela primeira vez. Isso sempre irá funcionar. E não se esqueça de que devemos com frequência escutar a música feita pelo coro como se fosse a primeira vez que a ouvimos. Essa prática é sempre mais eficiente que a recomendação anterior, pois ela é a realidade. E’ sobre essa realidade que o regente deve atuar.

e - Marcar as partes que poderiam apresentar dificuldades para os cantores, tais como saltos melódicos complicados; ritmos intrincados e difíceis; entradas problemáticas (...)
Isso é bom para os iniciantes. Depois de alguns anos de trabalho sabemos quase que imediatamente a solução para a maioria das dificuldades que encontramos, principalmente se nunca paramos de estudar e de guardar na memória todas as soluções encontradas por nós ou por nossos alunos/cantores.

f - As partes mais difíceis devem, já no primeiro ensaio, estar decoradas. (...)
E’ uma boa sugestão, mas se não tiver decorado, confie na sua capacidade de aprender rápido, conforme lê a partitura junto com os cantores que estão aprendendo sua parte. Algumas vezes faço isso como exercício, pois devemos estar preparados para enfrentar essas situações. Elas sempre nos acontecem.

g - Cada voz deve observar rigorosamente a respiração. Marcar exatamente os sinais de fraseio (...)
Duvidoso. Deve marcar com lápis, pois essas marcações iniciais quase sempre mudam ao longo do estudo da música, de como a música vai tomando forma em função da sonoridade que vai sendo conquistada pelo grupo (timbres, articulações...). O regente deve ter perspicácia, não perder a oportunidade de se chegar ao resultado final usando todos os elementos musicais, nascidos ali, que estarão a favor de tudo e de todos. Mas na maioria das vezes o regente é instruído a ter uma concepção final da obra antes de botar a mão na massa. Isso não seria um problema se eles não ficassem engessados a ela.

h - O texto é importante, pois ele está, com a língua em que a música se baseia, em estreita relação à sonoridade típica da composição.(...)
Já falou disso, mas vale sempre a pena lembrar.

i - As partituras devem vir logo no primeiro ensaio com todas as marcações e correções necessárias como: respiração, fraseio, dinâmica, compassos e ritmos marcados. (...)
De jeito nenhum. Isso pode (até deve) ser feito como um estudo prévio de possibilidades, como um esboço. Mas nunca passar essas marcações todas aos coralistas. E’ como um planejamento qualquer. E como disse minha colega Cassia, parafraseando o Pessoa, “planejar é preciso, mas não deve ser preciso”. Pensemos juntos: seria ridículo exigir isso de um diretor de teatro. O texto original é a base para toda a recriação da obra e ela se tornará mais interessante quanto mais participarem as pessoas, submetidas aos processos de criação, interferindo no processo criativo. Claro que a junção das partes, a coerência de uma nova leitura, as novas revelações e a linha estética poderão ter a marca do diretor. No entanto muitas vezes a marca que ele deixa é só a marca do processo. Tem diretor que é conhecido exatamente por isso.
Também é uma questão de concepções de trabalho. Várias são as que funcionam. Cada uma traz à tona um resultado coerente com essa concepção. Esse texto acima é um ótimo manual, mas da velha maneira, ainda em voga, de se fazer coral no Brasil.
 
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Metodologias para o ensino da música (pedagogias ativas) - 2ª geração (pós 1945)



Era Koellreutter um D. Quixote alemão?


Algumas pessoas poderão perguntar: “Koellreutter foi professor de música, mas pode ser considerado um pedagogo? Quer dizer, existe um método Koellreutter de ensino musical”?

A primeira eu vou deixar para que o próprio leitor responda depois de ler o que segue por aqui.

Vou começar respondendo a segunda questão: Não existe um método Koellreutter, assim, escrito em livrinhos e apostilas, mas existe um pensamento Koellreutter. Não existem pessoas dando prosseguimento ao seu método, mas ao seu pensamento, mesmo que este não seja necessariamente original, principalmente se nos dermos conta de que, no Brasil, sem ele a vanguarda musical seria muito menos vanguarda e talvez muito menos musical também.

Já que citei a palavra vanguarda, é bom lembrar a evidência dessa palavra na obra de Koellreutter. Quase todos os debates que houveram em torno dele foram o duelo entre a vanguarda e a tradição. Isso a começar com as públicas polêmicas entre ele e o compositor Camargo Guarnieri, se estendendo pela peleja entre os serialistas e os nacionalistas, tropicalistas e CPCistas (ver artigos abaixo) até chegar ao prélio entre os loucos e os caretas já nos anos 90, tempo onde a maioria dos loucos e vanguardistas se tornaram senhores respeitáveis e caretas (sei que ninguém se autoproclamaria louco nem careta, foi só um epítome meu).

Se eu tivesse que definir Koellreutter de uma maneira simples diria que ele foi uma pessoa que se preocupava integralmente com a busca do novo, com o fazer o novo. O que me leva a isso é, além de tomar conhecimento de sua trajetória, ouvir o que ele mesmo disse: “A função da música é de ser artisticamente criadora e poder clarificar grandes ideias filosóficas e científicas da sociedade em que vive.”

Como pedagogo, seus princípios metodológicos essenciais “induziam como proposta um ensino pré-figurativo, que é um sistema que incita o homem a se comportar perante o mundo não como diante de um objeto, mas como o artista diante da obra a criar” (citado por EnnY Parejo).

Diante disso ele afirmava que “Não é preciso ensinar nada que o aluno pode aprender sozinho, nada que pode aprender nos livros. E’ preciso aproveitar o tempo para fazer música, para improvisar, experimentar, discutir e debater”.



Como esse blog é também um espaço para minhas conclusões, nem sempre baseadas na pesquisa, deixo minha livre impressão sobre ele:

Acho que fui o único a colocar no meu currículo: “Nunca estudou com Koellreutter”. Muita gente não entendeu o que eu quis dizer. Quase todos da minha geração tinham no currículo “estudou com Koellreutter em...”, e, por irreverência, coloquei para marcar minha originalidade. Sempre lamentei não ter tido a oportunidade de tê-lo como mestre, mas tive contato portanto influência através de seus alunos, pessoas com as quais convivi.

Passei parte de minha vida procurando o novo. Já tinha acabado a onda de renovação artística/moral/política evocada pelos movimentos de 68, pela contracultura, tropicalismo, rock progressivo, luta contra a ditadura militar... pelo muro derrubado em Berlin. Vivi minha adolescência bebendo ideias dessas atividades organizadas e, quando já estava artisticamente ativo, surgia uma nova ordem política/econômica/social/moral no mundo contemporâneo. Entrava aí um período de calmaria, onde quantos anos de lutas sociais, ideias e tecnologia produziram esse nosso tempo com novas relações entre homens, países, meio ambiente. Não é fácil tatear o próximo futuro, fazer o papel atuante da vanguarda artística. Pois o novo é ainda muito novo e parece que ficamos sempre a dizer o óbvio, brincando de justapor o velho para criar algo que só é novo na aparência. Porque enquanto as coisas não se assentam, esse é um tempo em que parece não haver o invisível a revelar.

Talvez por isso, muitos dessa geração mais nova que eu se referem a ele como quem se refere a Dom Quixote: “Um velho visionário correndo atrás de moinhos de vento”. Mas não é isso. Koellreutter pode ter morrido numa época em que os moinhos deixaram de existir, e demorarão um tempo incerto para voltarem a aparecer. O que ele enquanto vivo nunca deixou de ser mesmo foi o vento. O vento que move os moinhos.



Artigos e referências:
 
O paulistano Júlio Medaglia, um dia, já participando de uma orquestra de amadores na Lapa paulistana, conhece o então oboísta Isaac Karabitchevsky, que o leva para a Escola Livre de Música, onde lecionava um dos grandes mentores musicais da época, Hans Joachim Koellreutter. Seu contato com esse mestre alemão lhe abre um novo e amplo universo musical. Quando, no final dos anos 50, Koellreutter muda-se para Salvador, para montar os Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia, Júlio Medaglia o acompanha. Lá, se aperfeiçoa em regência, inicialmente coral e depois sinfônica. Aproveitando a oportunidade de estudar no Velho Mundo, Júlio Medaglia cursa os festivais de música contemporânea de Darmstadt, com dois ícones da música erudita da segunda metade do século 20, Stockhausen e Boulez.
No final dos anos 60, Júlio retorna ao Brasil e participa ativamente, com Solano Ribeiro, da organização dos célebres Festivais da Record. Nessa época, culturalmente excitante em todo o mundo, participa dos mais variados movimentos artísticos de vanguarda, entre os quais o da Poesia Concreta, "oralizando" poemas com os irmãos Campos e Décio Pignatari. No final de 1967, escreve o revolucionário arranjo para a canção "Tropicália", de Caetano Veloso, que marca o início do Tropicalismo.
Em 1968, na Record, a mais importante estação de TV da época, produz o "Opus 7", um dos mais criativos e bem sucedidos programas de música clássica da televisão brasileira. http://www2.uol.com.br/juliomedaglia/bio.htm

 
Para melhor apreciar o significado da presença de Koellreutter e do nascimento dos Seminários de Música da Bahia, será conveniente empreender duas pequenas expedições históricas. Uma delas em plano internacional, remetendo-nos aos primórdios do século XX. E a outra em âmbito brasileiro, orientada inicialmente para a década de 1920, decênio que assiste à projeção-afirmação de Villa-Lobos e à publicação do Ensaio Sobre a Música Brasileira de Mário de Andrade – vale dizer, à conformação do nacionalismo musical em nossos trópicos, no rastro da Semana de Arte Moderna de 1922. Ou seja: vamos nos deparar, de uma parte, com a crise do antigo sistema tonal; e, de outra, com uma reação brasileira contra a importação da mais nova (não da mais velha) escrita musical européia. É necessário levar simultaneamente em conta estas duas dimensões pelo simples fato de que Koellreutter era um músico europeu de vanguarda e entrou em choque com o nacionalismo musical brasileiro, antes mesmo de assumir a direção dos Seminários de Música da Universidade da Bahia, onde permaneceu de 1954 a 1963, quando entregou a batuta quente a Ernst Widmer, egresso do Conservatório de Zurique.   http://tropicalia.com.br/leituras-complementares/koellreutter


No final da década de cinqüenta e início da década de sessenta, a cidade de Salvador passou por uma série de transformações que marcariam definitivamente a sua história cultural e, de forma mais ampla, de todo País. Tais transformações teriam, anos mais tarde, conseqüências diretas em movimentos como o Cinema Novo e o Tropicalismo. O principal motor dessas transformações foram as experiências revolucionárias ocorridas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). A reforma instalada pelo visionário reitor Edgard Santos proporcionou uma renovação profunda na vida cultural da cidade e gerou uma nova leva de intelectuais e criadores, cujas obras permanecem até hoje instigantes e inovadoras. A partir do planejamento e dos esforços de seu reitor, a reforma da UFBA trouxe para os seus estudantes novas perspectivas em áreas como a Música, o Teatro, a Filosofia, a História, as Artes e a Dança.
Com tal proposta de renovação, Edgard Santos conseguiu articular diferentes frentes de pensamento e ação cultural da cidade ao redor da universidade.
Entre os colaboradores e professores da UFBA, destaca-se uma série de artistas e de pensadores internacionais comprometidos com as idéias de vanguarda e experimentação. Seus principais nomes são a arquiteta e designer italiana Lina Bo Bardi (na direção do Museu de Arte Moderna da Bahia, mas trabalhando em sintonia com a Universidade), o diretor de teatro Martim Gonçalves, o músico e artista plástico suíço Walter Smetak, o afamado maestro alemão Hans J. Koellreuter, o historiador português Agostinho da Silva e a polonesa Yanka Rudzka, professora de dança contemporânea.
Além destes, profissionais e amadores como o jornalista João Ubaldo Ribeiro, os jovens Glauber Rocha, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Waly Salomão e Tom Zé, o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o filósofo Carlos Nelson Coutinho e muitos outros foram ativos freqüentadores do dia-a-dia da universidade. Seus trabalhos posteriores os colocam como representantes de um meio intelectual baiano, cujas atividades saíram da UFBA e dos circuitos boêmios e culturais de Salvador para o resto do mundo. http://tropicalia.com.br/ruidos-pulsativos/avant-garde-na-bahia

A Escola de Música foi um dos principais eixos na modernização da Universidade Federal da Bahia. Sua fundação ocorreu em 1954, durante a gestão revolucionária do reitor Edgard Santos. Com o primeiro nome de Seminário de Música da Bahia, a Escola promoveu durante quase duas décadas uma renovação completa no repertório musical baiano. Dodecafonismo, serialismo, obras de John Cage, Arnold Schoenberg e Pierre Boulez eram introduzidas aos alunos pela didática de seu diretor, o renomado maestro alemão Hans Joachim Koeullreutter. Seus ensinamentos, sua vasta bagagem musical e cultural e seu contato in loco com as vanguardas musicais européias deram a Koellreutter a possibilidade de inaugurar um novo tempo na música erudita – e popular – da Bahia.
Um dos primeiros intelectuais europeus convidados diretamente pelo reitor Edgard Santos a compor o quadro de professores da renovada UFBA, Koellreutter permaneceu à frente da Escola de Música entre 1954 e 1963. Ler mais em http://tropicalia.com.br/ruidos-pulsativos/avant-garde-na-bahia/musica


Fala como professor, refletindo sobre as relações entre artista e universidade: "muitos alunos me perguntam se devem ir para a universidade. Digo: vocês não estudam música para seguir aquilo que a academia ensina, mas para opor-se àquilo que ela quer ensinar. Estudem harmonia para contrariá-la. Esta é minha convicção: têm de aprender as regras da academia para saber como devem mudá-las para a criação de um mundo novo. Se não conhecem as regras, as marcas dos estilos anteriores, não podem criar algo novo. Precisam saber o tradicional para criar algo de novo. É realmente algo, não é tudo novo". http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141999000200011
 
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Metodologias para o ensino da música - - - 1ª geração: - Dalcroze


Quem fica parado é poste

Quando comecei a dar aulas de percepção musical na ULM Universidade Livre de Música peguei umas turmas enormes, com até 120 alunos na sala de aula. Como iria perceber, no meio de tanta gente, aqueles que tinham maior dificuldade em realizar os exercícios propostos de, rítmica, por exemplo?

Iniciei a fazer vários dos exercícios com a marcação do pulso em pés alternados, todos em pé, começando para um mesmo lado (esquerda ou direita) e realizações de outras células rítmicas com a mão, com movimentos de mãos e braços ao invés de palmas, cujo som ensurdeceria a todos. Uma das coisas que fazia para corrigir aqueles que não conseguiam manter o andamento correto era, ao invés de avisá-los de que estavam errados (mais lento ou mais rápido do que deveriam estar), me colocar ao seu lado e, encostando meus ombros aos seus, pedir que me acompanhassem, induzindo-os a um movimento pendular maior (se ele estivesse mais rápido que a pulsação) ou menor (se ele estivesse mais lento). Eu dizia “mais curto” ou “mais longo” e não “mais rápido” ou “mais lento”. A partir daí pedia aos colegas que estavam ao seu lado a continuarem orientando-os dessa maneira, quando necessário.

O tempo é algo difícil de manipular. Ele, na dimensão da percepção humana, é sempre relativo, hipotético, invisível, abstrato. O espaço não. O espaço é visível, dimensionável. Por isso é mais fácil de ser manipulado por quem tem dificuldades rítmicas.

Eu não conhecia Dalcroze. Mas o que estava fazendo era um, digamos assim, pensamento Dalcroziano. Por isso suas ideias me causaram uma feliz sensação de obviedade por achar que seus conceitos eram de uma coerência natural. Mas também me causou indignação por ver como era desperdiçado. Ninguém na ULM o usava sistematicamente com adultos (se alguém usava ocasionalmente eu não sei). Nem na ULM nem em escola nenhuma em que havia estudado ou dado aulas. Não o acho genial (claro, um século depois). Acho mesmo é um grande equívoco não usá-lo (que atraso de vida).

Não estou falando em adotar somente a metodologia de sua pedagogia musical porque muita coisa existe de boa e necessária além do Dalcroze. Mas seu pensamento é básico, lógico e funcional para trabalhar várias competências musicais, a começar pela rítmica, mas também a ideia de frases, de forma musical, de peso/leveza, rarefação/concentração. Sem falar na integração que isso faz entre a mente e o corpo do instrumentista, facilitando uma performance musical mais apropriada.



Contexto da época - Até então o ensino musical tinha como finalidade a arte do canto, do instrumento e introdução a harmonia e o contraponto. Os pedagogos impunham aos seus alunos exercícios de técnica instrumental, sem procurar desenvolver a sensibilidade e gosto, e afirmar a personalidade. Assim as escolas de música só serviam aos "dotados". com vozes afinadas e bons de ouvido. Foi neste contexto que o suíço Emile Jacques-Dalcroze (1865-1950) criou seu método eurrítmico. *1
 
 
Metodologia - Para entender melhor como a metodologia pode ser aplicada, imagine-se o aluno de uma escola de música tradicional. Quando está no conservatório, ele permanece boa parte do tempo sentado, fazendo apenas os movimentos relacionados ao aprendizado do instrumento musical. Ao adotar os princípios da Rítmica Dalcroze, porém, esse mesmo estudante vale-se do ensaio para movimentar todo o corpo no ritmo da música. É quando ocorre a interação entre melodia e gesto. Não raro, a experiência serve de estímulo à criatividade, uma vez que está intimamente ligada à improvisação. “O mais interessante desse método é que ele pode ser adotado por qualquer um, independente de idade, sexo ou condição física. Cada pessoa pode se movimentar dentro das suas potencialidades e limites”. *2


*1   http://batepapoafinado.blogspot.com/2009/09/metodo-dalcroze-breve-resumo.html
*2  http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2006/ju332pag12.html



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Metodologias para o ensino da música (pedagogias ativas)



Antes de focar o ensino da música, uma apreciação dos termos “pedagogia” e “ativa”.

O termo pedagogia deriva do grego e quer dizer amigo (gogo) da criança (pedo). Originalmente o termo designava o escravo que levava as crianças para a escola (scholé, que quer dizer ócio, em grego) para que o mestre (ludus magister, mestre de jogos ou brincadeiras) efetue a educação (do latim ex, que quer dizer para fora e duccere, que quer dizer conduzir, ou seja, educação, do latim ex duccere, quer dizer conduzir para fora). *1  O termo ativa se refere à qualidade ou estado de ser em ato; ao que tem participação, influência. *2 

O amigo da criança que as leva ao ócio para que o mestre de brincadeiras possa ajudá-las a manifestar seu potencial.

Brincadeiras à parte (essa "tradução" é bem tendenciosa), isso é sintético, quase uma Constituição. E o que seria, então, o contrário da pedagogia ativa? Pedagogia passiva, tradicional?

O que é a pedagogia tradicional?

A pedagogia tradicional é uma proposta de educação centrada no professor cuja função define-se por vigiar os alunos, aconselhá-los, ensinar a matéria e corrigí-la. A metodologia decorrente de tal concepção tem como princípio a transmissão dos conhecimentos frequentemente através de aula expositiva, numa sequencia predeterminada e fixa, enfatiza a repetição de exercícios com exigências de memorização .
O professor fala, o aluno ouve e aprende. Não leva em consideração o que a criança aprende fora da escola, seus esforços espontâneos, a construção coletiva.
A figura do professor como detentor do saber é a força motriz. Na maioria das escolas essa prática pedagógica se caracteriza pela sobrecarga de informações que são veiculadas aos alunos, o que torna o processo de aquisição de conhecimento, muitas vezes burocratizado e destituído de significação.
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Mas para entender porque esse foi o ensino tradicional temos que entender o processo histórico da criação das escolas.

No início do século passado, surgem os sistemas nacionais de ensino. Esses sistemas foram originalmente constituídos sob o princípio orientador: A Educação é direito de todos e dever do Estado. Assumindo o poder com a Revolução Francesa e intencionando nele se consolidar, a burguesia defende a constituição de uma sociedade democrática, ou seja, a democracia burguesa. Para ascender a um tipo de sociedade fundada nos princípios da igualdade, fraternidade e liberdade entre os indivíduos, era imprescindível vencer a barreira da ignorância. Somente assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque esclarecidos. Tal tarefa só poderia ser realizada através da escola.

Nesta perspectiva, a marginalidade é identificada com a ignorância, ou na nova sociedade burguesa, o marginal é o ignorante. A escola é vista, portanto, da marginalidade . Dentro deste quadro, o papel da escola é o de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade. A escola tem a intenção de conduzir o aluno até o contato com as grandes realizações da humanidade, isto é, o que essa classe social elegeu como os grandes valores da humanidade. Esta escola realça os modelos em todos os campos do saber. O professor é o responsável pela transmissão dos conteúdos, é o centro do processo educativo. Deve, portanto, ter domínio dos conteúdos fundamentais e ser bem preparado para a transmissão do acervo cultural.

A experiência relevante que o aluno deve vivenciar é a de ter acesso democrático às informações, conhecimento e idéias, podendo, assim, conhecer o mundo físico e social. Enfatiza-se a disciplina intelectual, para o que se necessita de atenção, concentração, silêncio e esforço. A escola é o lugar por excelência onde se raciocina e o ambiente deve ser convenientemente austero para o aluno não se dispersar.

O professor (mais tarde, o dono da escola) tem poder decisório quanto à metodologia, conteúdo e avaliação. Procura a retenção das informações e conceitos através da repetição de exercícios sistemáticos (tarefas). Há a tendência de tratar a todos os alunos igualmente: todos deverão seguir o mesmo ritmo de trabalho, estudar os mesmos livros-texto, no mesmo material didático e adquirir os mesmos conhecimentos. Aqui, a concepção de educação é caracterizada como produto, já que estão pré-estabelecidos os modelos a serem alcançados. Não se destaca, portanto, o processo. São privilegiadas as atividades intelectuais.

A transferência da aprendizagem depende do treino, sendo imprescindível a retenção, a memorização, para que o aluno responda a situações novas de forma semelhante às situações anteriores. Em resumo, pode-se afirmar que nesta pedagogia há uma redução do processo educativo a, exclusivamente, uma de suas dimensões: a dimensão do saber.
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Observe como isso é o padrão na maioria das escolas de música, desde as salas de aula da escola básica  aos projetos de formação de músicos até as faculdades e conservatórios brasileiros.


É’  preciso ver que esse ensino tradicional foi uma conquista, foi um avanço em relação ao passado. Foi a idéia de criar a escola para todos, coisa que no Brasil só veio realmente acontecer nos anos 70 do século XX. Quando esse ensino é realmente colocado em prática atingindo toda a população brasileira ele já tem acumulado quase um século de críticas quanto aos resultados e principalmente quanto a seus propósitos.

Pergunta aos alunos, professores e coordenadores da Pós graduação: O que você acha das escolas de renome, das faculdades de música como a USP, a UNESP, a UNICAMP e mesmo as Faculdades Integradas Cantareira manterem o ensino da música na graduação baseado na concepção tradicional descrita acima?



*1 http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/filos30.htm
*2  (Dicionário Aurélio)
*3 http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080819113425AAt32iN
*4 http://www.obore.com/acontece/textos_especiais_em_torno_de_algumas.asp
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O Medo foi um dos meus primeiros mestres

Texto do escritor moçambicano Mia Couto.
Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar além da fronteira da minha língua, da minha cultura e do meu território. O medo, afinal, foi o mestre que mais me fez desaprender.

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Iniciação à regência coral


Gestos, coordenação motora, brincadeiras de conteúdo musicalizante. Estamos por aqui estudando os fundamentos da técnica de regência coral, incluindo aí a marcação dos tempos, o andamento, a condução da articulação de frases e fonemas, a expressão dinâmica, a comunicação com os integrantes do grupo, a eficiência dos movimentos, tudo para um fazer musical prazeiroso e eficiente.

Será que é necessário a figura do regente para formação de um grupo coral?

Existem grupos vocais que não atuam com um regente lá na frente fazendo tudo isso que estamos aprendendo. Mas é preciso ver que para isso acontecer é necessario uma série de condições que permitam essa transcendência. A primeira condição é a formação de um grupo de pessoas com habilidades musicais, com experiência no fazer musical coral e uma afinidade enorme entre elas, tanto do ponto de vista musical como do ponto de vista das relações de grupo, de como lidam com as divisões do fazer musical, de como lidam com as funções que lhe são designadas a cada momento, de como lidam com o nascimento desse "designar".

Para formar um grupo assim basta chamar um monte de gente que canta bem e são legais pra caramba, certo?
Errado! Eu nunca vi um grupo que deu certo começando desta forma. Além do mais é preciso que haja necessidade dessa transcendência à atividade do condutor, o que na maioria dos casos não é necessário.


Aí voltamos a pergunta inicial. Dá pra formar um grupo, ensinar o fazer musical, permitir o acúmulo de experiência musical e social sem ter um regente, um professor, uma liderança?

Na minha opinião não, não dá. Embora hajam muitos grupos não tem essa liderança, quase sempre por total falta de opção. E sofrem muito com isso, com a falta de alguém preparado para fazer essa tarefa.

Então se não dá, o grupo precisará de um condutor, um professor, uma liderança. Essa pessoa tem que saber música, tem que conhecer repertório para grupos, deve saber fazer arranjos (por isso colocaram na grade do nosso curso), tem que ter uma proposta que sintetize o que você acredita como valores de uma pedagogia musical e tem também que saber expressar com o corpo tudo isso, para proporcionar ao grupo a possibilidade de fazer música em conjunto.


Mas aquela pergunta inicial muitas vezes está associada ao questionamento da necessidade de um regente para no momento da execução musical.

Será que a presença de um condutor é realmente necessária?

E aí podemos lembrar dos três textos que lemos para tirar a conclusão. Os textos falam sobre a maior complexidade sonora exigindo a presença exclusiva de um músico com a função de conduzir a música, principalmente para marcar o tempo musical e também para conduzir a dinâmica, praticamente única função dos condutores do canto gregoriano. E à partir do romantismo, devido à "subjetividade crescente  com que as novas obras musicais eram compostas"¹, a necessidade de uma pessoa para determinar essa subjetividade.
Bozzini³ faz uma bela síntese: "Podemos dizer que o ato de reger acontece em vários níveis distintos:
1. No mais imediato, os gestos do maestro devem indicar ao músico quando e como tocar.
2. Num segundo nível, ele deve frasear o discurso musical, conseguindo dar a cada frase sua inflexão adequada, destacando-a dos acompanhamentos.
3. Do ponto de vista mais elevado, ele deve ser capaz de articular a forma da música, conseguindo estruturar o jogo formado entre a apresentação, desenvolvimento e conclusão dos temas musicais presentes em cada obra
".

 Mas é nessa síntese feita pelo Felipe Salles, que fica mais evidente a questão da singularidade de cada interpretação. "A função do maestro é basicamente marcar o ritmo (tempo musical) certo e equilibrar as dinâmicas indicadas, mas seu potencial expressivo é o que dá a uma determinada interpretação uma certa singularidade em relação à outra (...)"².

Essa singularidade é óbvia quanto a qualquer intérprete. A música "Caça à raposa" é a mesma quando ouvimos o João Bosco, quando ouvimos a Elis ou o grupo Vésper?
A questão é que, num grupo, quem é, qual cérebro ou coração determina essa singularidade?
 A interpretação singular pode vir de um grupo de cérebros e corações? Ou os cérebros mais dotados (de conhecimento ou de velocidade de processamento) e os corações mais exaltados é que acabarão por impor sua visão singular à obra? Eu acredito que essa é a tendencia natural, a não ser que, artificialmente, o grupo imponha alguma outra maneira de proceder, mais democrática, mais anarquista ou outra proposta qualquer.
A não ser que o grupo tenha um condutor, o que é a grande maioria dos casos, dos grupos que conhecemos.
Porque num trabalho coral o tempo de preparação de uma obra é normalmente muito maior que num grupo instrumental, que numa orquestra. Temos felizmente, o tempo de absorver a obra em todas suas possíveis nuances. Então a interpretação, as dinâmicas e agógicas são absorvidas mais naturalmente, parece que tem um fluir mais natural que numa grande orquestra.

[Estou aqui recordando uma apresentação de música antiga no festival de Curitiba, um grupo instrumental pequeno, músicos que fizeram apenas um ensaio, sem regência; e a música fluir como se eles tivessem ensaiado por anos; mas é isso: um estilo de música que cada um deles faz há anos, seguindo linhas estéticas muito semelhantes, principalmente quanto às articulações, então o fazer musical flui como se fossem uma banda de rock, um trio de jazz, um grupo de pagode fazendo música no churrasco.]

Mas no vídeo abaixo, será que o maior papel do regente é de mostrar o tempo musical, lembrar a todos a dinâmica aplicada a cada parte da música?
Na primeira música notamos que a marcação do tempo musical é bem necessária, não pela existência de compassos variados mas pela liberdade temporal. Na segunda a marcação do tempo seria absolutamente desnecessária. Então o que ele faz ali de mais importante? E na terceira música é que vemos a maior função do condutor desse tesão de coral.

É aí que vemos a transcendência dos gestos. Significam um complexo de manifestações sonoras ritmicas, de dinâmica, de articulação e de várias pequenas nuances evidenciadas pelo som brotado daqueles corpos sonoros. Por isso que coral bom de se ouvir geralmente é coral bom de se ver. Ver fazendo música, ver como o som sai daquelas pessoas, ouvir o todo sonoro e ver o grupo todo como uma coisa só.

A técnica é a base para que possamos chegar a um alto grau de complexidade musical. Principalmente porque quando atingimos com um trabalho esse alto grau de complexidade a técnica parece que some, de tão integrada que fica.


Só nos resta estudar, né gente!!!

1. História da Regência Orquestral no século XIX - Carlos Kaminski
2. O Maestro - de Felipe Salles
3. A técnica do regente - o que há por trás dos gestos do regente - Angelo Bozzini
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Pergunta lançada. O que você faria se fosse convidado a fazer um coral com:


70 crianças de 13 a 17 anos,
Que não estão lá por vontade própria,
um vez por semana,
numa sala muito curta e larga

minha resposta:

Se não pudesse recusar o trabalho primeiramente eu choraria. Depois de recuperado do susto inicial  pensaria em criar condições para construção do encantamento, pois nessas condições só por encantamento mesmo. Mas nós, como professores e como artistas temos que saber criar esse encanto. Então vamos lá, feiticeiros, à ação.

1.     1. Juntar um arsenal de músicas de diferentes estilos e sonoridades (músicas de sons percussivos onomatopaicos, músicas minimalistas com temas sobre um ou dois acordes, músicas com frases de pergunta e respostas bem evidentes, etc) divididos em arranjos a uma voz acompanhada por instrumento, uma voz acompanhada por outra, duas vozes nítidas, duas vozes acompanhada por outra, três vozes, quatro vozes. Buscaria primeiramente trabalhar com sonoridades exóticas, sonoridades que são base das músicas que eles escutam (seria bom pesquisar isso ou então ir à média do gosto da faixa etária e social), mas não fazer no início músicas que eles escutam (nenhum amante de pagode cantaria heavy metal e nessa idade eles sempre se dividem em guetos de escuta musical muito excludentes). 

2.     2. Construiria uma estratégia para que os alunos me vissem como “o cara”. O cara que conhece as músicas que eles gostam (então teria que ouvir muita coisa, músicas, letras, histórias, “causos” e decorar); o cara que conhece pessoalmente os artistas que eles admiram (buscar contato com alguns amigos e até mesmo contar algumas estórias fantasiosas); o cara que sabe o que estará na onda na próxima temporada musical (haja fantasia). O cara que sabe colocá-los para enfrentar um desafio sonoro (de batucar algo complexo ou tirar o baixo de uma música) e que consegue fazê-los se sair bem. O cara que não abaixa a cabeça para o aluno que se sente o próprio Estados Unidos nem fala grosso com o que se acha uma Bolívia (essa eu roubei do Chico Buarque, kkkkk).

3.     3. Procuraria sempre sair de cada ensaio com alguma conquista musical evidente. Conquista evidente para os alunos. E isso não é nem um pouco fácil.

4.    4. Procuraria ser sempre o mais bagunceiro e barulhento da classe. Não perder o contato visual e auditivo com ninguém em momento algum. Se não deixam eu me concentrar ninguém conseguirá se concentrar também. E' importante mudar o ritmo das atividades sempre que ouvir um bocejo, uma brincadeira paralela. Deixar todos conversarem muito, conversarem à vontade, pois isso é muito bom, desde que saibam (aprendam) voltar à atenção rapidamente com um gesto ou som, por isso é importante ensiná-los a fazer bagunça.

Pensar em fazer tudo isso aí descrito é possível. Tentar realizar será o desafio e a tarefa árdua de cada dia. Mas sem uma estratégia não dá nem pra pensar em táticas.
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Caça à Raposa

música e letra: João Bosco

O ano era o de 1975, plena ditadura militar. À sociedade se impunham leis de excessão que obrigavam todos a ficar calados diante das mazelas de um regime autoritário. Pessoas eram "desaparecidas", numa caça covarde que as forças do regime insistiam em dizer que era uma guerra. Mas o que é uma guerra com forças tão desiguais, senão uma caça com final previsível. Se essa música é uma metáfora? Talvez. É uma suposição. Mas taí a letra. Veja o que acha. Ouça a música e tire sua conclusão.
 
tema A  Dm  Dm7M  Dm7  Dm6
O olhar dos cães, a mão nas rédeas
E o verde da floresta
tema A
Dentes brancos, cães
A trompa ao longe, o riso
Os cães, a mão na testa:
tema A' (terça maior acima) Gm  C7  F7M  Dm
O olhar procura, antecipa
A dor no coração vermelho
tema A' (terça maior acima)  Bb7M  C7  F7M  Dm
Senhoritas, seus anéis, corcéis
E a dor no coração vermelho
tema A' (terça maior acima) com final conclusivo  Bb7M  A7  Dm
O rebenque estala, um leque aponta: foi por lá!...
tema A
Um olhar de cão, as mãos são pernas
E o verde da floresta
tema A
- Oh, manhã entre manhãs! -
A trompa em cima, os cães
Nenhuma fresta
tema A' (terça maior acima)    Gm   C7  F7M   Dm
O olhar se fecha, uma lembrança
Afaga o coração vermelho:
tema A' (terça maior acima)  Bb7M  C7  F7M  Dm
Uma cabeleira sobre o feno
Afoga o coração vermelho
tema A' (terça maior acima) com final conclusivo  Bb7M  A7  Dm
Montarias freiam, dentes brancos: terminou...
tema B  Dm11     Dm7  Bb/D    Dm7
Línguas rubras dos amantes
Sonhos sempre incandescentes
tema B
Recomeçam desde instantes
Que os julgamos mais ausentes
tema A' (terça maior acima)   Gm   C7  F7M   Dm
Ah, recomeçar, recomeçar
Como canções e epidemias
tema A' (terça maior acima)   Bb7M  C7  F7M  Dm
Ah, recomeçar como as colheitas
Como a lua e a covardia
tema A' (terça maior acima) com final conclusivo    Bb7M  A7  Dm
Ah, recomeçar como a paixão e o fogo, e o fogo.

O tema da caça foi usado com alguma frequencia na música polifonica do período renascentista. O movimento da verdadeira caça à raposa era percebido por vários músicos como um movimento análogo ao movimento sonoro almejado pelos madrigais. Veja aqui um exemplo:




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Mudando Paradigmas na Educação

Esta animação foi adaptada de uma palestra dada na RSA por Sir Ken Robinson, um especialista em educação e criatividade de renome mundial e ganhador do Prêmio Benjamin Franklin da RSA .
Para legendas no YouTube você pode clicar no botão CC, logo abaixo do vídeo.
Em todos os lugares do mundo as pessoas estão querendo mudar o sistema de educação.
A escola gratuita e para todos era uma idéia revolucionária.
As crianças estão sendo medicadas para assistir aulas.
Uma experiência estética é aquela em que os seus sentidos estão operando na capacidade máxima.
Nós temos que pensar de forma diferente a respeito da capacidade humana.
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Uma análise do arranjo Estrela do Mar

melhor visualização sempre no YouTube


Se quiser comparar e ouvir o áudio da música original, clique aqui
Para download da partitura clique aqui


Esse arranjo foi uma encomenda do grupo Octrombada, para um musical infantil em 2006. Fiz em 3 dias e quando terminei perguntei ao grupo se o restante do repertório era muito “pra cima” e felizmente eles disseram que sim, o que faria desse arranjo uma diferença. A música originalmente uma marchinha de carnaval, mas a letra com tema tão insólito me induziu a essa sonoridade. Não só a letra, mas as notas do tema inicial (“um pequenino grão de areia”) já me entregaram a sonoridade que preferi não escapar.

Não pensei em harmonia. Não quis saber quais acordes resultam, nem o nome deles. Não sei qual tom está, nem se é tonal ou modal o resultado. Fui pensando em sonoridades de cada instante, blocos sonoros, como cores numa tela, como se um polvo jorrasse tinta no mar.

Os primeiros compassos, antes do tema: a nota A(la), louca para agarrar o Bb(si bemol), que corre para virar o D(re) e quase é agarrado pelo E(mi). Um movimento indo e vindo próprio da água junto à areia no fundo do mar. Quando o tema faz “que era um pobre sonhador” o movimento das “águas” arremessa essa correnteza para cima em direção às estrelas. A frase “imaginou coisas de amor” soa como as canções e as cantoras do rádio da década de 40.

Em seguida (compasso 20) inicia-se uma fuga a passos pequeninos (em movimento não de 3ªs mas de 2ªs), num abrir/fechar intervalar para logo após (compasso 24) partir do mesmo ponto e abrir o acorde mais espetacular do arranjo inteiro. Nesse momento (compasso 26) acontece a síntese da canção: ela, a estrela, no céu e ele, o pequenino grão de areia, no mar a maior dor e a maior esperança. O movimento termina num “disse que disse” levando tudo abaixo.

A parte B da música é um contraponto onde no fundo nada se encontra (apesar de ser o trecho mais suave, mais tonal do arranjo pois a linha melódica não deixa dúvidas disso); o que há são conclusões precipitadas e arrojos passageiros praticados por sereias, ninfas marinhas próximas mas inalcançáveis.
A coda é como sempre deveria ser, o resumo de tudo. O tema “um pequenino grão de arei-a”. Essas notas, onde as sílabas estão sublinhadas, superpostas, são a base da sonoridade do arranjo todo.

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