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Três estudos para Piano


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Fui no Itororó

para um bom treino da mão direita

Galo Garnizé

para velocidade

Mulher Rendeira

boa para começar a coordenar ritmos brasileiros
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O efeito Acetato sobre Partitura



Um arranjo, o que é?

Costumamos chamar de arranjo coral a adaptação para um grupo coral de uma canção popular gravada originalmente para instrumentos e voz. Os arranjos corais começaram a ter uma profusão no Brasil quando Damiano Cozzela andou a fazer um trabalho lindo para o Coralusp, ainda na década de 60. Durante as décadas seguintes esse tipo de repertório se tornou hegemônico. Antes de mais nada é importante ter em mente que qualquer obra coral ou instrumental é um arranjo, mesmo quando a composição já nasce completamente dependente do modo como os sons são propostos, ou seja, arranjados. Quando é para orquestra costumamos chamar de orquestração. Uma sinfonia do Beethoven é um arranjo para orquestra. Uma ópera barroca é um arranjo para coro, solistas e orquestra. Uma faixa que ouvimos dos Beatles ou do Clube da Esquina é um arranjo. Costumo dizer, às vezes, que não existe música ruim. Existe arranjo ruim, ou interpretação ruim. O Pour Elise que o caminhão de gás toca é um arranjo ruim com interpretação ruim, e não uma música ruim.

Partitura...

Quando escolho a partitura de um arranjo para fazer um coral cantar, sei que ali estão as coordenadas gráficas bem precisas que vou transformar em som. Ali deverão estar resolvidas as questões rítmicas, melódicas e harmônicas (no mínimo) da música que desejo realizar. O arranjo nasce, geralmente, de uma adaptação para o coral, do que era original de uma determinada, gravação, ou seja, de um outro arranjo. Um arranjador pode querer ser fiel à harmonia original, ou então, pode rearmonizá-la. O arranjador vai distribuir essa harmonia em um número de vozes que pretende abrir. Assim pode criar homofonia ou polifonias com essa finalidade.
A linha melódica pode se conservar fiel à original ou pode sofrer pequenas modificações, principalmente quando essa melodia passa de uma voz para outra frequentemente. Nesse processo são construídos outros sons que dão o sentido musical almejado, e a partir daí, ao reconhecimento da música pelo ouvinte, mesmo ela soando diferente. Pelo fato de criar melodias que soam simultâneas à melodia original, o que vemos é a criação de outra música, mais ou menos semelhante à original, quer dizer, ao arranjo original que conhecemos ou temos como referência. É bom ficar atento que estamos aqui nesse papo, falando somente da parte musical da canção e não da letra como texto, como literatura. Insisto que o funk não é ruim. Vocês que andam ouvindo no lugar errado.

Fidelidade à originalidade. Pode isso?

Quando uma banda faz “cover” de outra banda, tem isso como objetivo bem especifico por alguma razão, geralmente atender a um publico que gostaria de ouvir os “Beatles ao vivo” mas, por razões obvias, isso não é possível. O intuito do "cover" é imitar. Tem publico tão exigente que até os erros da gravação quer ouvir. Outras bandas preferem fazer a sua versão, ou seja, seu próprio arranjo, estando livre para inserir muita coisa diferente. Músicos geralmente deixam sua marca no som que produzem. Um tema, o nome de música, é apenas uma desculpa para fazer sua própria música, para vestir uma ideia musical materializada num registro com as coisas que estão na cuca dos que a executam. Pense nos jazzistas, que pegam um tema, fazem uma seção inteira e a partir daí jogam o tema fora e vão criando melodias incríveis e logo substituindo por outras melodias incríveis na próxima seção. Tem a inda o free jazz, que após a exposição do tema já parte para improvisações completamente livres em harmonia e ritmo.

Bem, mas e o Acetato?

Acetato é aquela folha plástica transparente que usávamos para escrever ou desenhar no retroprojetor. Mas se você pega o desenho feito no acetato e o coloca sobre uma partitura, você vê que já tem uma alteração gráfica ali. A alteração é vista como uma sujeira que atrapalha a leitura da partitura. Mas pode acontecer de algum signo musical aparecer lá, ao acaso, e você, ao ler sem querer aquele novo signo musical, acaba gostando do que ouviu e resolve fazer sempre assim.
Pois bem, ao invés de deixar a cargo do acaso, você pode resolver escrever diretamente na partitura algumas pequenas modificações — um sinal de stacatto, uma nova nota pra soar junto, alterar um tempo de uma figura musical. Tudo isso poderia ser anotado num acetato que você coloca sobre a partitura, como se fosse apenas para separar o que é original do que é fruto da musicalidade do intérprete, no caso, você. E um regente de coral, pela particularidade que possui cada grupo, está adaptando a interpretação o tempo todo.  Não existem dois coros iguais no mundo. Não existem nem dois ensaios iguais.

Então, aonde você anota, tanto esses detalhes de interpretação como alterações mais profundas? Num caderninho? Não, na partitura, certo? O que você faz é um Acetato sobre Partitura, só que de maneira mais suja. Mas tudo bem anotar lá, é o melhor lugar mesmo. Já pensou fazer isso num acetato de verdade… ia ficar uma bagunça aquele montão de plástico caindo da pasta.

Então temos o ACETATO SOBRE PARTITURA como um conceito. E quando algo tem nome, tem cara. Se torna algo distinto. Como nossas mentes são simbólicas, criamos uma imagem abstrata, apalpamos o conceito, damos vida própria e distinguimos essa entidade das outras. Começamos a fazer um uso mais consciente, começamos a dominar e ampliar suas possibilidades. Aprofundamos o conceito.

Esse é o conselho que dou aos regentes que fazem arranjos meus:

adeque,
reduza,
amplie,
mude as barras e fórmulas de compasso,
troque vozes,
mude até oitavas, se achar que soa bem.
Ouça,
ouça muito,
ouça profundamente, detalhadamente,
mesmo que tenha que gravar pra conseguir isso.

Confie nos seus instintos, baseie-os no seu conhecimento.
Amplie o conhecimento sempre que preciso
(sempre é preciso).

Criou trecho com escala estranha?
Pesquise escalas exóticas,
crie escalas novas, se necessário, se isso resolver problemas técnicos ou de puro gosto.

Exagerou?
simplifique.
Encontre o essencial.


Um belo dia você apresenta a música a uma platéia e perguntam: 
— Que lindo! É seu arranjo?
você balbucia ao responder que não, porque já não sabe mais se se aquilo que a pessoa ouviu foi coisa do arranjador ou arte sua.

Então chega a hora em que você talvez precise colocar isso tudo num papel, ou seja, escrever o seu próprio arranjo, mesmo que eventualmente.

Qual o limite entre uma pequena adaptação e um arranjo novo?
A gente sabe.
Porque sempre estamos fazendo acetato sobre partitura.

Mesmo os mais puristas fazem escolhas próprias ao articular um fonema ou uma ligadura.
Fazemos isso sempre e isso já é um acetato sobre partitura.

Então,
é só isso.
Use esse conceito.

Então… 
é tudo isso. 

Não esqueça que você deve, quer dizer, não esqueça que você vai colocar acetatos sobre a partitura do seu próprio arranjo.

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