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PESQUISA SONORA E IMPROVISAÇÃO




Talvez a tarefa mais difícil da introdução da improvisação na prática do ensino musical seja a indução à necessidade de improvisar. Como fazer o aluno ficar motivado para essa atividade? Como deixá-lo desinibido ao ponto de permitir-se a essa expressão espontânea e criativa?
A proposta dada em aula pela profª Enny Parejo foi fazer essa introdução através de estímulos corporais, através do movimento corporal, através de uma dança sem coreografia, de uma dança que nasce do corpo focado nele mesmo (claro, isso foi como eu vi). A eficiência dessa indução dá-se pelo fato de que música é movimento, que a música está sempre associada ao movimento do objeto sonoro que vibra produzindo som e ao corpo que colocou o objeto em movimento. Levar o movimento corporal da dança ao objeto sonoro é fazer esse objeto produzir um som análogo ao que o corpo já aspirava ao dançar, mesmo que não soubesse que som seria esse.

Talvez por isso a primeira etapa da improvisação como prática do ensino musical deva estimular à pesquisa sonora, não apenas como se fossemos revelar o som contido em cada instrumento ou objeto sonoro, mas para demonstrar que a qualidade do nosso movimento leva à produção de sons particulares em cada objeto sonoro. Essa atividade é o que liga a audição ao movimento, a audição com interesse musical ao movimento com interesse musical (ou, como Paynter coloca, entre o som e a técnica).



A segunda etapa da improvisação como prática do ensino musical foi a associação de sons criados em objetos sonoros e o seu emprego como sonorização de histórias. É uma utilização prática de sons encontrados numa pesquisa sonora que se baseia em duas etapas: 1. escuta dos sons ambientes (de diversos ambientes) tanto dos sons naturais desse ambiente (vento, água, rio, cascata, chuva, mar, sons dos animais, passos) como de objetos ou ações criados por humanos (porta, carroças, carros, manivelas, rodas, molas, talheres, passos, conversas, risos); 2. recriação desses sons através de objetos sonoros distintos dos originais.
A sonorização de histórias é uma atividade que obriga o executante a estabelecer uma estruturação sonora, mas ainda num estágio anterior à formação de uma linguagem musical.  Desse modo, relaciona sons a um universo exterior ao universo musical. Serve então, para representar ou se referir a coisas, a ações e movimentos, até mesmo sentimentos, mas sempre por semelhança, por contiguidade ou por convenção. Se sonorização ainda não é música ­ porque não faz sentido em si própria ­ é um caminho para a música, tanto pela audição ativa como pela exigência de uma habilidade técnica motora (mesmo que básica) e pela indução à habilidade artística construtiva, na hora de estruturar essa sonorização. Por isso também que nas obras musicais há muito de sonorização.



A terceira etapa da improvisação como prática do ensino musical é a que leva a procurar a associação dos sons com outros sons com finalidades exclusivamente musicais, ou seja, signos musicais concebidos como qualidades acústicas, sua existência própria e suas leis de organização internas. Essa é a etapa em que a improvisação aponta para a criação de música, só música, exclusivamente música.
Nessa etapa a habilidade técnica motora requer maior domínio; então a atividade também tem a finalidade de estimular o desenvolvimento da habilidade técnica. Nessa etapa a habilidade artística construtiva requer maior conhecimento e discernimento das estruturas musicais, pois ao se construir uma obra com finalidade apenas e somente musical – mesmo pela improvisação – essa estrutura deverá ter um sentido que favoreça uma apreciação somente musical. Como obra musical, terá sentido em si própria, e então, já pode ser considerada uma linguagem. Dentro deste processo, é nessa instância que se inicia o desenvolvimento da habilidade musical criativa.  A partir daí, a escolha da matriz sonora, as escolhas da maneira de produzir o som e a criação de seções distintas nas improvisações tornam essa atividade uma atividade de composição, com maior ou menor liberdade de criação ou recriação dentro dela.


Devemos lembrar que improvisação é tanto o nome que damos à música, ao produto decorrente dessa atividade, como da própria atividade de tocar livremente, de participar dessas instâncias de pensamento imediato. Essas instâncias devem ser estimuladas tanto no início da educação musical como ao longo da vida do músico, seja ele um instrumentista, um cantor ou compositor.
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