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Campos de atuação na mente de quem aprende, faz e ensina música


O que vou escrever agora é um esboço para algo que possa ser mais bem elaborado, com muito mais tempo, conhecimento, pesquisa e reflexão. Será o tema de minha monografia.

O que percebi comparando diferentes visões e ações no ensino musical é que há diversos campos de atuação na mente do aluno, na mente de quem executa o fazer musical, na mente de quem tenta ensinar o fazer musical.

Talvez o mais visível, mais próximo ao que pensamos como o fazer musical seja a atividade mecânica de tocar. Na maioria das vezes o processo de iniciação ao ensino de música é aquele em que o aluno vai a uma escola de música à procura de quem o ensine a tocar ‘tal’ instrumento escolhido previamente por ele. 

O singular é que, salvo exceções, os professores que recebem o aluno (ou o dono da escola), sendo as pessoas que detém o conhecimento da prática do ensino musical, não costumam fazer nenhum questionamento sobre essa via de entrada do noviço ao mundo musical. O que poderia ser questionado: Por que esse instrumento e não outro? Por que um instrumento e não vários? Por que um instrumento e não a voz? Por que aula de voz sozinho e não em grupo (coral)? Por que não começar com a musicalização (mesmo se adulto)?

Claro que existe aí a questão do aluno ser levado por uma combinação de diversos fatores objetivos e subjetivos que culminam no desejo de tocar tal instrumento e por isso mesmo essa escolha carrega uma eficiente carga de estímulo ao aprendizado musical. Mas não deveríamos, nós profissionais da área, darmos mais importância a esse questionamento? Sim. Mas normalmente não fazemos, principalmente se o aluno em potencial for jovem ou adulto. Por que?

primeiro campo a ser falado

Porque é natural. Buscar a música através de um instrumento é uma atitude muito natural. Porque a primeira via  ̶  a busca da manifestação do instrumento, essa manifestação bruta de primeiridade (cf. semiótica de C. Peirce - ver nota ao fim da postagem, vale à pena ler antes de continuar, principalmente se o leitor não conhece a teoria semiótica de Peirce), o mais visível ao fazer musical   ̶  é a atividade mecânica de tocar. Então o professor, sabedor de tudo, já orienta o aluno:“vamos lá, você já tem o instrumento? Comece segurando-o assim...”. Felizmente em muitos casos, antes disso o aluno já pegou o instrumento de qualquer maneira, brincou com ele, mexeu de tudo quanto é jeito.

Tocar no instrumento (por isso é esse verbo: tocar). É uma relação tão esperada, tão próxima, que não importa que na realidade o instrumento foi criado pelo homem para facilitar essa sua essência de manipulador dos sons da natureza. O que importa, ao olhar por esse viés, é que o homem é que foi criado para manipular esse objeto especial e desta forma extrair os sons que potencialmente estão lá. Aqui o homem é o real instrumento desta relação.

Relembremos lá no íntimo: quando olhamos para o instrumento, ávidos por tocar, não era como se ele tivesse vida própria, como se olhasse desafiadoramente para nós e dissesse: "Venha, faça-me soar! Revele toda beleza dos sons que posso produzir"?

Se o instrumento guarda em si a natureza de determinados sons ao homem resta ir a ele e buscar esse som, assim como um pintor pode ir em busca do azul. A manifestação sonora é bruta. É seu timbre acontecendo na altura qualquer que sair, pelo tempo que se revelou necessário para que pudesse mostrar sua existência. É uma manifestação original. É primeiridade pura.


Claro que quando buscamos a técnica para extrair esse som com controle entramos no campo da terceiridade, mas como necessidade de dominar o que foi revelado nesse contato direto, quando o som primordial do instrumento era o todo.

Baseados nessa necessidade foram desenvolvidos vários métodos que reúnem exercícios que graduam o domínio técnico-motor, nem sempre associados ao domínio de outras habilidades musicais, nunca associados ao domínio da linguagem musical como um todo. Na maioria das vezes faz, no máximo, ligação com o domínio da teoria musical e de algumas estruturas de organização sonora como intervalos, escalas, tonalidades, dinâmica, células rítmicas, articulações e outras.

Alguns dos autores consagrados e seus respectivos métodos: Suzuki, Klosé, Henrique Pinto, Vaccai, Hannon, Hal Leonard, etc. 


 A prioridade desses métodos é formar um aluno com alta capacidade de reproduzir sonsou seja, instância de secundidade, que é a relação direta com o instrumento produzindo os sons, e instância de terceiridade, que permite manifestar o som que deseja, na ordem que deseja (ou que alguém, o compositor, desejou). Instâncias que só existem em decorrência da primeira, nascida da necessidade de buscar o som que nos tocou, que nos causou espanto e catarse numa experiência primordial.



Reproduzir? Mas então quem produz? Ah, isso não é o problema de quem elaborou tais métodos, preocupados mais (ainda bem que alguém se preocupou com isso) em acabar com a frustração ter uma ideia musical na cabeça e os dedos não conseguirem realizar.



segundo campo a ser falado 

Então percebemos que ao aprendizado musical é muito importante se preocupar com o desenvolvimento de um pensamento musical, com o desenvolvimento de uma linguagem musical que nos permita elaborar mentalmente uma expressão musical, um arcabouço que nos permita criar música, que nos permita dialogar com outros músicos, que nos permita estabelecer uma comunicação com ouvintes (público passivo ou os músicos executantes). Mas, antes disso, a relação dual do som bruto com o manipulador de sons, instância da secundidade referida por Charles Peirce.


Quando ouvimos uma música nova o que é dela que nos chama a atenção? Por que geralmente mostramos essa música a outra pessoa?  O que nos faz querer mostrá-la a outras pessoas?
O que queremos compartilhar é a catarse provocada pela obra. Qual elemento faz essa catarse?

O leitor pode averiguar em sua experiências pessoais: quase sempre a catarse provém dos atributos de todas as instâncias (primeiridade, secundidade e terceiridade), que fervilham no momento da criação do que normalmente nos referimos como momento “genial” dentro de uma composição. Mas a idéia genial não pode ser lembrada sem que seja estruturada, e isso é campo exclusivo da terceiridade. Se não houvesse estruturação não poderíamos usar em composições, arranjos, orquestrações; só aconteceria nessas manifestações casuais de secundidade, que às vezes temos o privilégio de ouvir em algumas seções de improvisação livre ou mesmo de improvisação planejada, onde podem ocorrer casualmente. O que já foi "genial" num momento, como pode e deve ser estruturado e entendido e compartilhado e ensinado etc., não causa mais espanto, mas é o que existe o tempo todo numa composição; nem toda composição tem alguma coisa além disso, uma idéia que em algum momento do passado foi genial. Por isso uma composição pode ser muito boa sem ser genial;  pode ser uma obra prima sem ser genial.

Ensinar esse dom, o dom de ser genial, é possível? Acredito que sim, acredito que se o aprendiz de música (e  em música somos eternos aprendizes) puder vivenciar esses momentos de secundidade, esbarrando frequentemente na experiência dos "contatos imediatos de primeiridade", que é possível.


Em segundo lugar nos motivos de querer compartilhar com alguém a experiência de ouvir uma música, creio ser o encantamento pela performance, um encantamento semelhante ao sentido por ver uma habilidade circense ou esportiva. A habilidade do músico é secundidade pois é a instância do relacionamento do indivíduo com o seu instrumento. A performance depende também do conhecimento da obra, do estilo, de muitos detalhes como articulação e dinâmica. Isso já é instância da terceiridade. Lá no fim dos interesses poderia vir uma admiração por reparar habilidades de um músico como a capacidade de ler música ou pela capacidade de ouvir e distinguir sons, o que seria uma admiração bem cerebral, como a gente admira quem faz cálculos rapidamente.

Mas admito que muitas vezes o que me faz querer compartilhar a audição de uma música é o timbre, é esse contato com a primeiridade, a possibilidade de sentir no corpo aquele conjunto de ondas me acariciando o cérebro, me provocando sensações corpóreas indizíveis. Isso acontece ao ouvir um piano bom (um instrumento bom) ou outro instrumento até comum mas bem construído, cuja sonoridade passa pelos meus ouvidos com a mesma grandeza de sensações que só posso comparar ao ato de colocar algo na boca de sabor apropriado (um chocolate, um vinho, uma lichia), só comparado às sensações de carinho, de sexo, ou seja, sempre sensações de qualidade pura, sem se importar com a estrutura musical, com o acorde, com outras interpretações.

Mas voltando à secundidade, esta presumo ser a área do desenvolvimento da genialidade. É a área da experimentação sonora, da improvisação espontânea, do “insight” de uma composição. É o terreno considerado por muitos educadores como área difícil de ser invadida, área que parece pertencer somente a umas poucas cabeças privilegiadas*1. É a manipulação dos sons e das idéias musicais antes que elas se estruturem, antes que sejam lhes dada forma, antes que se submetam a leis. É área desenvolvida em algumas instâncias do que Koellreutter chama ensino pré-figurativo.
Aqui incluímos a propensão do homem em achar sons e que, para isso, procura na natureza um meio de dominá-los, guardá-los, colocá-los num recipiente. E isso, na prática quer dizer criá-los, pois é o único meio de se apoderar dos sons da natureza, inclusive, e mais, o que é muito importante, aperfeiçoando os sons da natureza e inventando os sons que na natureza não encontra. Também nesse campo da mente está essa volição do homem (o luthier), que cria uma ferramenta, um instrumento para fabricar os sons que anseia.


*1 Esse pensamento é fruto de uma educação musical que receberam e que tendem passar à diante. Esse pensamento está muito arraigado nas escolas brasileiras. Infelizmente a maioria dos nossos professores de música pensa assim. Isso não os torna professores ruins. Apenas limitam o desenvolvimento dos alunos às capacidades desenvolvidas nos primeiro e terceiro campos referidos nesse artigo. É também interessante ver essa separação: professores que desenvolvem o primeiro campo falado são os professores de prática de instrumento musical (aí também os professores de canto e técnica vocal); professores de teoria, percepção, composição, improvisação, análise, musicologia, etc., são os que desenvolvem o terceiro campo de atuação.

Nesse contexto estão os educadores como Schafer (em “Limpeza de Ouvidos”) e Self.


terceiro campo a ser falado

Mas se temos ideias musicais na cabeça e “os dedos ainda não respondem com rapidez e eficiência” por que não procuramos nos expressar através da voz*2, que normalmente nos obedece com mais facilidade?
Ao fazermos os primeiros voos musicais utilizando a voz, percebemos que se não há um treinamento do raciocínio, da linguagem musical, se não houver um exercício de associações mentais com estruturas pré-estabelecidas, a performance, a realização musical é comprometida.

Esse treinamento musical foi o foco de muitos educadores, entre eles Hindemith, Dalcroze, Willems, Kodály, e aqui no Brasil, Gramani, Gazzi de Sá, Villa-Lobos, Bohumil Med, Lucas Ciavatta, entre diversos outros.
É interessante ver a quantidade de educadores preocupados com esse campo de aprendizado musical. Esse saber se situa entre o tocar (manifestar o som) e a necessidade de tocar. Talvez por isso, por ser tão intelectual e sujeito à soberba, que muitas pessoas tem a tendência de sobrepujar sua importância. É aqui, também, o campo onde se desenvolve a habilidade e o domínio da composição, do arranjo, da orquestração, da análise musical, da crítica, da história, etc.

*2 Falo da voz como a manifestação sonora mais diretamente ligada ao pensamento, realizada por um corpo que não tem “lugar a apertar para que se produza essa ou outra nota musical”.



associação dos campos
 
Bom, pela maneira que foi aqui apresentado, creio que é natural acreditar que a indução ao desenvolvimento completo de um músico só poderia acontecer se conseguíssemos agregar ao ensino estes três campos do fazer musical.

Mas há quem já tenha tentado? Há quem já o faça? Parece não haver incompatibilidade entre estes campos. A incompatibilidade acontece entre as diferentes visões de valores que interferem no modo de atuar dentro de cada campo.

Koelreutter,  Paynter, Schafer (em “Um rinoceronte na sala de aula”)  e Swanwick*3 trabalham nessa perspectiva de educação musical, buscando uma formação total que integre estas atividades educativas que atuam em categorias tão diversas do fazer musical.


Me parece tão poucos. Me parece também que é nesse aspecto de agregar estes três campos que reside o sucesso de uma educação musical para ser aplicada tanto a um plano de atuação individual (cada professor conseguindo estar atento a todos esses processos de aprendizagem) como para ser aplicada a uma escola ou a uma nação. Não é a defesa de um determinado método a ser aplicado, mas a simples observação de integrar esses três campos de atuação do pensamento no fazer musical.




*3 Conforme se resume a sigla do pensamento de Swanwick: T.E.C.L.A. (Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação), parece que essas atividades estariam contemplando a atuação nesses três campos. Também nesse sentido de integração existe a educadora Ana Mae Barbosa, que chama de proposta triangular o que é apenas a enunciação de três processos que são importantes para aprender e para organizar a mente em relação à aprendizagem: o fazer, o apreciar e o contextualizar (apesar de que o Fazer tem que ter as atividades de tocar para desenvolver técnica, tocar para praticar a fluência musical, atividade de improvisar e atividade de compor, senão não se encaixa nessa integração desses três campos).



Essa entrevista me tirou algumas dúvidas: http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/entrevista-keith-swanwick-sobre-ensino-musica-escolas-instrumento-musical-arte-apreciacao-composicao-529059.shtml
Como um aluno aprende Música?
SWANWICK Procurei responder a essa questão por meio de uma pesquisa com estudantes de Música ingleses com idades entre 3 e 14 anos. Aprendi que o desenvolvimento musical de cada indivíduo se dá numa sequência, dependendo das oportunidades de interação com os elementos da música, do ambiente musical que o cerca e de sua Educação. Com base nessas variáveis, posso dizer que o aprendizado musical guarda relação com a faixa etária. Cada uma corresponderia a um estágio de desenvolvimento.

Quais as características de cada um desses estágios?
SWANWICK
O primeiro vai até mais ou menos os 4 anos. Sua marca principal são experimentações, com as crianças batendo coisas e explorando as possibilidades de produção de sons de cada instrumento. No segundo estágio, que vai dos 5 aos 9 anos, essa manipulação já funciona como uma forma de manifestação do pensamento, dando origem às primeiras composições, muito parecidas com as que os pequenos conhecem de tanto cantar, tocar e escutar. As criações se tornam mais variadas e supreendentes a partir dos 10 anos, num movimento que chamo de especulativo. Em seguida, já no início da adolescência, as variações passam a respeitar os padrões de algum estilo específico, muitas vezes o pop ou o rock, "idiomas" em que é possível estabelecer conexões com outros jovens. Por fim, a partir dos 15 anos, é possível desenvolver um quarto estágio, que engloba os outros três, em que a música representa um valor importantíssimo para a vida do adolescente, marcado mais por uma relação emocional individual e menos por modismos passageiros ou algum tipo de consenso social.

Que aspectos devem ser considerados no ensino de música nas escolas?
SWANWICK
O fundamental é que os conteúdos sejam trabalhados de maneira integrada. Nos anos 1970, resumi essa ideia na expressão inglesa
clasp. Além de ser uma sigla, um dos sentidos dessa palavra em português é "agregar". Proponho que há três atividades principais na música, que são compor (a letra C, de composition), ouvir música (A, de audition) e tocar (P, de performance). Essas três atividades, que formam o CAP, devem ser entremeadas pelo estudo da história da música (L, de literature studies) e pela aquisição de habilidades (S, de skill aquisition). (No Brasil, esse processo ficou conhecido como TECLA: T de técnica, E de execução, C de composição, L de literatura e A de apreciação.)

Qual a vantagem de trabalhar nessa perspectiva?
SWANWICK
Um ponto forte é considerar que todas essas coisas são importantes e que devem ser desenvolvidas em equilíbrio. A ideia do
clasp também pode ser útil para o professor perceber se está gastando muito tempo, digamos, no L, descrevendo fatos históricos e desenhando instrumentos, por exemplo. Dar muito enfoque à história da música é uma forma simplificadora de achar que se está ensinando Música. Acontece que a história não é música - ela é sobre música. O mesmo excesso pode ocorrer com docentes que atuam na classe o tempo todo como intérpretes ou outros que apenas colocam CDs para a apreciação.




nota ao fim da postagem: "Considerando experiência tudo aquilo que se força
sobre nós, impondo-se ao nosso reconhecimento, e não
confundindo pensamento com pensamento racional (deliberado
e auto-controlado), pois este é apenas um dentre os casos
possíveis de pensamento, Peirce conclui que tudo que aparece
à consciência, assim o faz numa gradação de três propriedades
que correspondem aos três elementos formais de toda e
qualquer experiência.
Em 1867, essas categorias foram denominadas:
1) Qualidade,- 2) Relação e 3) Representação. Algum tempo depois, o termo Relação foi substituído por Reação e o termo Representação recebeu a denominação mais ampla de Mediação. Mas, para fins científicos, Peirce preferiu fixar-se na terminologia de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, por serem palavras inteiramente novas, livres de falsas associações a quaisquer termos já existentes." (Lucia Santaella - O que é semiótica - Ed. Brasiliense)
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Sobre alguns tópicos do livro "Regência Coral" de Oscar Zander

Para que possamos abordar este tópico nas aulas futuras, oriento a todos para que leiam o texto abaixo (Regência Coral - Oscar Zander). Façam uma análise relacionada com o seu cotidiano de trabalho artístico e produzam um texto que expresse pontos de concordância e/ou discordância ao que é proposto pelo autor, a partir de suas próprias experiências.
Poderão enviá-lo até o dia 04/11

Bom trabalho! Abraço a todos,
Mara Campos
 
Para facilitar a leitura dos comentários coloquei-os na sequencia ao texto do autor (em azul).

I - Conceito de Regência Coral
5 - A personalidade do regente
(páginas 27 e 28)
"Como o regente representa um papel perante o público, é evidente que este papel deve ser estruturado e vivido artisticamente.Até que ponto usa sua capacidade mímica, ou faz uso de seus gestos pessoais de dança, é o ponto essencial desta atividade. O importante é como ele harmoniza os gestos no todo. O máximo de atividade exterior pode ser necessário e justificado artisticamente, assim como muitas vezes o clímax de tensão artística se realiza num clima de máxima calma."


Não sei qual o contexto da citação acima. Se é do ponto de vista do trabalho de corpo do regente ou do papel social que representa a figura do regente, do maestro.
6 - O regente como formador e educador de seu grupo
(página 30)
"O regente deve, com sua técnica e conhecimento da literatura, saber entusiasmar e despertar cada vez mais o interesse do seu grupo,
para que os ensaios em suas muitas vezes intermináveis repetições, não se tornem monótonos, mas sejam fonte de renovação - apesar da repetição - e com isso levem a um gradativo aperfeiçoamento e maturidade." 
Concordo.


II - Breve histórico do desenvolvimento da regência
6 - De Mannheim até nossos dias
(páginas 46 e 47)
" Há o problema referente à fidelidade na execução da obra, contrapondo-se à liberdade interpretativa, assim como aquela regência que se adapta ao estilo, em oposição à outra onde predominam os procedimentos de ordem puramente pessoal e subjetiva de muitos regentes. Evidentemente, deve haver um estilo pessoal nos movimentos de cada um, porém este deve manifestar-se através de um conhecimento profundo de toda a prática do passado, do estilo das diferentes épocas, a fim de assegurar uma unidade de intenções estéticas conforme o espírito em que foram criadas as obras. Deve haver unidade nas intenções dos regentes, caso contrário, a anarquia consequente das liberdades pessoais prejudicaria a verdade histórica."
Existe uma tendência de associar a melhor escolha estética na interpretação da música de concerto à fidelidade de estilo. Contrariamente, na música popular, a tendência é associar a melhor escolha na opção de interpretar fazendo uma releitura. Ou seja, uma prezando a tradição outra a renovação. (note que é tendência, não a totalidade).
Creio que ambos os pensamentos estão corretos, mas devemos ter a consciência das causas em se optar por uma coisa ou outra, e são elas:
1.     A expectativa do público: determinados meios são tradicionais. Esperam de você o rigor do conhecimento histórico e a devida coerência estética. Outro público pode querer exatamente o contrário.
2. Saber qual a finalidade da realização: estudo e prática do estilo; estudo comparativo; estudo de criação artística baseada no estilo; estudo de outros estilos (vestir uma música com a outra roupa); objetivo artístico geral maior que o musical quando queremos dar um significado diferente do que quando usado de maneira usual; exercício de livre criação; divertimento; etc.
De qualquer maneira, tanto para música de concerto como para música popular, é preciso saber como foi executado tal tipo de música ao longo dos tempos por qual categoria de músicos e público e comparar com o que contemporaneamente é tido como o mais correto (por quais grupos, pois quase nunca haverá consenso).

VI - O regente e sua prática pessoal
3 - A concentração do regente; sua preparação pessoal
(páginas, 151, 152, 153 e 154)

"Todo trabalho coral, inclusive cada ensaio, é sempre uma atividade criadora e pedagógica."
 
Existe na citação acima uma contradição com muito do que está descrito pelo autor por aí abaixo. Se a atividade criadora é para os participantes do coral o regente deve priorizar aos componentes do grupo as atividades que possibilitem o ato da criação incluindo aí a indicação de um repertório e não a definição prévia feita exclusivamente por ele. Se a atividade é pedagógica parece que reflete a concepção bancária da educação, cf. se referia Paulo Freire às práticas de ensino em que o aluno (no caso o coralista) é visto como uma conta no qual o regente deposita seu conhecimento para depois poder sacar o que foi aplicado.*1
*1 - Exemplo de educação antidialógica é a "concepção bancária da educação" (FREIRE, 1983, p. 66), a qual mantém a contradição entre educador-educando (cf. idem, p. 67). A concepção bancária distingue a ação do educador em dois momentos, o primeiro o educador em sua biblioteca adquire os conhecimentos, e no segundo em frente aos educandos narra o resultado de suas pesquisas, cabendo a estes apenas arquivar o que ouviram ou copiaram. Nesse caso não há conhecimento, os educandos não são chamados a conhecer, apenas memorizam mecanicamente, recebem de outro algo pronto. Assim, de forma vertical e antidialógica, a concepção bancária de ensino "educa" para a passividade, para a acriticidade, e por isso é oposta à educação que pretenda educar para a autonomia.

[Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire / Vicente Zatti. - Porto Alegre : EDIPUCRS, 2007- Capítulo III - http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/3.6.html]


O que acontece é que esta é a tradição coral brasileira (talvez mundial, sei lá). O regente é o foco da atividade coral. Ele é a pessoa mais importante no trabalho. Os créditos do trabalho serão sempre dele. Os coralistas são meros peões. E isso dos créditos é tão arraigado que o regente mesmo não tem condição de mudar. Quando coloco os vídeos do Lumiá no YouTube as pessoas comentam “como é bonito seu trabalho” e não “como é bonito o trabalho dessas pessoas que cantavam no Lumiá”. Não vejo problema em receber os créditos como educador, como a pessoa que realizou o trabalho pedagógico que resultou num fazer artístico de qualidade, mas em receber os créditos de um resultado artístico que foi gerado pelo trabalho de todos.
 Mas o que lamento muito mesmo é que essa prática não é desestimulada. Ainda mais quando sabemos que na instância “Canto Coral” sempre acabam sendo as conquistas cultural/social/educacional uma realização de mais alto valor que a artística (embora a gente nunca possa pensar nisso, pois se o artístico é depreciado como objetivo as outras coisas não funcionam; elas se aglutinam sobre a atividade do fazer arte, do produto artístico que resulta desse trabalho coletivo). O regente deve saber que a atividade dele é imprescindível, que é linda, que é engrandecedora, mas que ele não passa de um professor como outro qualquer, digno como outro qualquer, admirável como outro qualquer e nada mais do que isso (nós artistas temos a tendência de achar que somos melhor que os outros).



O primeiro passo para planejar e preparar um ensaio é escolher a obra apropriada. (...) Que não seja uma música tomada ao acaso e simplesmente incluída entre as outras já ensaiadas, sem o menor critério estético. Não é qualquer quadro, por melhor que seja, que tem efeito ao lado de outro. Às vezes eles se anulam.
Fora o que foi comentado acima o regente como educador, como o “mestre de brincadeiras que ajuda seus coralistas a manifestar e desenvolver seu potencial” (*2) deve ter em mente que o repertório pode ter no mínimo três funções distintas, não necessariamente abarcadas ao mesmo tempo (na realidade quase nunca): 1. Função didática; 2. Função lúdica; 3. Função artística. Nesse último caso a observação acima é muito pertinente.
*2 - ver aqui no Hieroglifólio:  Metodologias para o ensino da música

(...) O texto deve ser estudado a fundo, pois muita coisa expressiva da música está em íntima relação com o texto. Este também deveria pesar na escolha da música para o programa ou para o grupo.
O texto é uma das linguagens contidas na atividade musical de um coral. O texto não deve ser esquecido, pois nenhuma das linguagens deve ser preterida. Isso não significa que em cada momento não estaremos elegendo uma ou outra como a linguagem principal, a que estará em primeiro plano.
Linguagens: uma música feita por um coral geralmente contém a 1. música pura; 2. O texto; 3. A expressão corporal (como um ator); 4. O figurino; 5. A arquitetura do espaço da apresentação; 6. A envoltura de significados do evento (se é um concerto, se é uma cerimônia, se é um encontro).


(...) Outro fator importante é o grau de dificuldade que uma partitura apresenta ao grupo. Nunca escolher músicas demasiado difíceis, só para mostrar que o grupo sabe e pode cantar coisas difíceis. (...) A música não tem sucesso pelo grau de dificuldade, mas antes pelo grau de perfeição e musicalidade com que é executada. É melhor executar bem uma partitura fácil do que executar sofrivelmente uma partitura difícil.
Concordo plenamente. Mas as vezes podemos colocar no repertório de ensaio algo maior que nossa capacidade, como uma atividade para o ensino musical.

(...) Outro fator que deve ser levado em consideração é a extensão e a exigência sonora da música. A obra a executar deve estar de acordo com a estrutura do agrupamento.
... de acordo com a capacidade técnica do grupo, de acordo com a função da música (cf. escrito acima)...

(...) O lugar, o espaço e ambiente onde as músicas deverão ser executadas também têm muita influência em sua apresentação. Assim, obras destinadas a grupos menores deveriam ser apresentadas em salas de ambiente camerístico e vice-versa.
Isso!

(...) O regente deverá absorver a obra como se fosse o próprio compositor. (...) Resumindo:
a - cantar todas as vozes até o completo domínio das dificuldades, que sejam rítmicas, intervalares ou de respiração e emissão.
 Isso faz parte do mito: o mito do regente de qualidade musical inalcançável, e por isso autoridade indiscutível. O músico perfeito que conduz as massas ignorantes para o Olimpo musical. E’ claro que o regente deve ter a capacidade de realizar o repertório, mas por que ele deveria saber cantar bem todas as vozes? Para poder ensinar, certo? Então um técnico de futebol precisa jogar melhor que os jogadores? Não. Ele deve saber ensinar, deve saber as táticas do ensino e do fazer musical, mas não precisa cantar melhor do que todos. Isso não quer dizer que ele não deva saber cantar bem. Claro que um técnico de futebol que mostra como se bate uma falta é muito eficiente nesse quesito, mas se ele não souber mais cobrar faltas terá outras maneiras de demonstrar. O regente tem que dar conta de ensinar, e tem quase que a obrigação de formar cantores melhores que ele. Se estes cantores aprenderam a solucionar sempre as questões rítmicas, intervalares e de emissão então que ele aproveite para aspirar performances mais ousadas.


 b - Uma vez sabendo todas as vozes, procurar imaginar a sonoridade e harmonia resultante destas. (...)
c / d - Sentar-se a um instrumento (órgão, piano) e cantar uma voz enquanto toca as outras. Passar cantando, uma a uma, por todas as vozes.
 Outro equívoco! Ele deve não imaginar, mas realmente ouvir internamente a harmonia resultante de todas as vozes que serão executadas. Se conseguir ouvir só olhando a partitura, ótimo. Mas se não, pode tentar o uso de um instrumento harmônico. Se não souber tocar, não há problemas. Use instrumentos mais modernos, que tocam sozinho pra você. Se não houver possibilidade nem disso, ensine as vozes para o coro e escute a sonoridade e a harmonia ali mesmo pela primeira vez. Isso sempre irá funcionar. E não se esqueça de que devemos com frequência escutar a música feita pelo coro como se fosse a primeira vez que a ouvimos. Essa prática é sempre mais eficiente que a recomendação anterior, pois ela é a realidade. E’ sobre essa realidade que o regente deve atuar.

e - Marcar as partes que poderiam apresentar dificuldades para os cantores, tais como saltos melódicos complicados; ritmos intrincados e difíceis; entradas problemáticas (...)
Isso é bom para os iniciantes. Depois de alguns anos de trabalho sabemos quase que imediatamente a solução para a maioria das dificuldades que encontramos, principalmente se nunca paramos de estudar e de guardar na memória todas as soluções encontradas por nós ou por nossos alunos/cantores.

f - As partes mais difíceis devem, já no primeiro ensaio, estar decoradas. (...)
E’ uma boa sugestão, mas se não tiver decorado, confie na sua capacidade de aprender rápido, conforme lê a partitura junto com os cantores que estão aprendendo sua parte. Algumas vezes faço isso como exercício, pois devemos estar preparados para enfrentar essas situações. Elas sempre nos acontecem.

g - Cada voz deve observar rigorosamente a respiração. Marcar exatamente os sinais de fraseio (...)
Duvidoso. Deve marcar com lápis, pois essas marcações iniciais quase sempre mudam ao longo do estudo da música, de como a música vai tomando forma em função da sonoridade que vai sendo conquistada pelo grupo (timbres, articulações...). O regente deve ter perspicácia, não perder a oportunidade de se chegar ao resultado final usando todos os elementos musicais, nascidos ali, que estarão a favor de tudo e de todos. Mas na maioria das vezes o regente é instruído a ter uma concepção final da obra antes de botar a mão na massa. Isso não seria um problema se eles não ficassem engessados a ela.

h - O texto é importante, pois ele está, com a língua em que a música se baseia, em estreita relação à sonoridade típica da composição.(...)
Já falou disso, mas vale sempre a pena lembrar.

i - As partituras devem vir logo no primeiro ensaio com todas as marcações e correções necessárias como: respiração, fraseio, dinâmica, compassos e ritmos marcados. (...)
De jeito nenhum. Isso pode (até deve) ser feito como um estudo prévio de possibilidades, como um esboço. Mas nunca passar essas marcações todas aos coralistas. E’ como um planejamento qualquer. E como disse minha colega Cassia, parafraseando o Pessoa, “planejar é preciso, mas não deve ser preciso”. Pensemos juntos: seria ridículo exigir isso de um diretor de teatro. O texto original é a base para toda a recriação da obra e ela se tornará mais interessante quanto mais participarem as pessoas, submetidas aos processos de criação, interferindo no processo criativo. Claro que a junção das partes, a coerência de uma nova leitura, as novas revelações e a linha estética poderão ter a marca do diretor. No entanto muitas vezes a marca que ele deixa é só a marca do processo. Tem diretor que é conhecido exatamente por isso.
Também é uma questão de concepções de trabalho. Várias são as que funcionam. Cada uma traz à tona um resultado coerente com essa concepção. Esse texto acima é um ótimo manual, mas da velha maneira, ainda em voga, de se fazer coral no Brasil.
 
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Metodologias para o ensino da música (pedagogias ativas) - 2ª geração (pós 1945)



Era Koellreutter um D. Quixote alemão?


Algumas pessoas poderão perguntar: “Koellreutter foi professor de música, mas pode ser considerado um pedagogo? Quer dizer, existe um método Koellreutter de ensino musical”?

A primeira eu vou deixar para que o próprio leitor responda depois de ler o que segue por aqui.

Vou começar respondendo a segunda questão: Não existe um método Koellreutter, assim, escrito em livrinhos e apostilas, mas existe um pensamento Koellreutter. Não existem pessoas dando prosseguimento ao seu método, mas ao seu pensamento, mesmo que este não seja necessariamente original, principalmente se nos dermos conta de que, no Brasil, sem ele a vanguarda musical seria muito menos vanguarda e talvez muito menos musical também.

Já que citei a palavra vanguarda, é bom lembrar a evidência dessa palavra na obra de Koellreutter. Quase todos os debates que houveram em torno dele foram o duelo entre a vanguarda e a tradição. Isso a começar com as públicas polêmicas entre ele e o compositor Camargo Guarnieri, se estendendo pela peleja entre os serialistas e os nacionalistas, tropicalistas e CPCistas (ver artigos abaixo) até chegar ao prélio entre os loucos e os caretas já nos anos 90, tempo onde a maioria dos loucos e vanguardistas se tornaram senhores respeitáveis e caretas (sei que ninguém se autoproclamaria louco nem careta, foi só um epítome meu).

Se eu tivesse que definir Koellreutter de uma maneira simples diria que ele foi uma pessoa que se preocupava integralmente com a busca do novo, com o fazer o novo. O que me leva a isso é, além de tomar conhecimento de sua trajetória, ouvir o que ele mesmo disse: “A função da música é de ser artisticamente criadora e poder clarificar grandes ideias filosóficas e científicas da sociedade em que vive.”

Como pedagogo, seus princípios metodológicos essenciais “induziam como proposta um ensino pré-figurativo, que é um sistema que incita o homem a se comportar perante o mundo não como diante de um objeto, mas como o artista diante da obra a criar” (citado por EnnY Parejo).

Diante disso ele afirmava que “Não é preciso ensinar nada que o aluno pode aprender sozinho, nada que pode aprender nos livros. E’ preciso aproveitar o tempo para fazer música, para improvisar, experimentar, discutir e debater”.



Como esse blog é também um espaço para minhas conclusões, nem sempre baseadas na pesquisa, deixo minha livre impressão sobre ele:

Acho que fui o único a colocar no meu currículo: “Nunca estudou com Koellreutter”. Muita gente não entendeu o que eu quis dizer. Quase todos da minha geração tinham no currículo “estudou com Koellreutter em...”, e, por irreverência, coloquei para marcar minha originalidade. Sempre lamentei não ter tido a oportunidade de tê-lo como mestre, mas tive contato portanto influência através de seus alunos, pessoas com as quais convivi.

Passei parte de minha vida procurando o novo. Já tinha acabado a onda de renovação artística/moral/política evocada pelos movimentos de 68, pela contracultura, tropicalismo, rock progressivo, luta contra a ditadura militar... pelo muro derrubado em Berlin. Vivi minha adolescência bebendo ideias dessas atividades organizadas e, quando já estava artisticamente ativo, surgia uma nova ordem política/econômica/social/moral no mundo contemporâneo. Entrava aí um período de calmaria, onde quantos anos de lutas sociais, ideias e tecnologia produziram esse nosso tempo com novas relações entre homens, países, meio ambiente. Não é fácil tatear o próximo futuro, fazer o papel atuante da vanguarda artística. Pois o novo é ainda muito novo e parece que ficamos sempre a dizer o óbvio, brincando de justapor o velho para criar algo que só é novo na aparência. Porque enquanto as coisas não se assentam, esse é um tempo em que parece não haver o invisível a revelar.

Talvez por isso, muitos dessa geração mais nova que eu se referem a ele como quem se refere a Dom Quixote: “Um velho visionário correndo atrás de moinhos de vento”. Mas não é isso. Koellreutter pode ter morrido numa época em que os moinhos deixaram de existir, e demorarão um tempo incerto para voltarem a aparecer. O que ele enquanto vivo nunca deixou de ser mesmo foi o vento. O vento que move os moinhos.



Artigos e referências:
 
O paulistano Júlio Medaglia, um dia, já participando de uma orquestra de amadores na Lapa paulistana, conhece o então oboísta Isaac Karabitchevsky, que o leva para a Escola Livre de Música, onde lecionava um dos grandes mentores musicais da época, Hans Joachim Koellreutter. Seu contato com esse mestre alemão lhe abre um novo e amplo universo musical. Quando, no final dos anos 50, Koellreutter muda-se para Salvador, para montar os Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia, Júlio Medaglia o acompanha. Lá, se aperfeiçoa em regência, inicialmente coral e depois sinfônica. Aproveitando a oportunidade de estudar no Velho Mundo, Júlio Medaglia cursa os festivais de música contemporânea de Darmstadt, com dois ícones da música erudita da segunda metade do século 20, Stockhausen e Boulez.
No final dos anos 60, Júlio retorna ao Brasil e participa ativamente, com Solano Ribeiro, da organização dos célebres Festivais da Record. Nessa época, culturalmente excitante em todo o mundo, participa dos mais variados movimentos artísticos de vanguarda, entre os quais o da Poesia Concreta, "oralizando" poemas com os irmãos Campos e Décio Pignatari. No final de 1967, escreve o revolucionário arranjo para a canção "Tropicália", de Caetano Veloso, que marca o início do Tropicalismo.
Em 1968, na Record, a mais importante estação de TV da época, produz o "Opus 7", um dos mais criativos e bem sucedidos programas de música clássica da televisão brasileira. http://www2.uol.com.br/juliomedaglia/bio.htm

 
Para melhor apreciar o significado da presença de Koellreutter e do nascimento dos Seminários de Música da Bahia, será conveniente empreender duas pequenas expedições históricas. Uma delas em plano internacional, remetendo-nos aos primórdios do século XX. E a outra em âmbito brasileiro, orientada inicialmente para a década de 1920, decênio que assiste à projeção-afirmação de Villa-Lobos e à publicação do Ensaio Sobre a Música Brasileira de Mário de Andrade – vale dizer, à conformação do nacionalismo musical em nossos trópicos, no rastro da Semana de Arte Moderna de 1922. Ou seja: vamos nos deparar, de uma parte, com a crise do antigo sistema tonal; e, de outra, com uma reação brasileira contra a importação da mais nova (não da mais velha) escrita musical européia. É necessário levar simultaneamente em conta estas duas dimensões pelo simples fato de que Koellreutter era um músico europeu de vanguarda e entrou em choque com o nacionalismo musical brasileiro, antes mesmo de assumir a direção dos Seminários de Música da Universidade da Bahia, onde permaneceu de 1954 a 1963, quando entregou a batuta quente a Ernst Widmer, egresso do Conservatório de Zurique.   http://tropicalia.com.br/leituras-complementares/koellreutter


No final da década de cinqüenta e início da década de sessenta, a cidade de Salvador passou por uma série de transformações que marcariam definitivamente a sua história cultural e, de forma mais ampla, de todo País. Tais transformações teriam, anos mais tarde, conseqüências diretas em movimentos como o Cinema Novo e o Tropicalismo. O principal motor dessas transformações foram as experiências revolucionárias ocorridas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). A reforma instalada pelo visionário reitor Edgard Santos proporcionou uma renovação profunda na vida cultural da cidade e gerou uma nova leva de intelectuais e criadores, cujas obras permanecem até hoje instigantes e inovadoras. A partir do planejamento e dos esforços de seu reitor, a reforma da UFBA trouxe para os seus estudantes novas perspectivas em áreas como a Música, o Teatro, a Filosofia, a História, as Artes e a Dança.
Com tal proposta de renovação, Edgard Santos conseguiu articular diferentes frentes de pensamento e ação cultural da cidade ao redor da universidade.
Entre os colaboradores e professores da UFBA, destaca-se uma série de artistas e de pensadores internacionais comprometidos com as idéias de vanguarda e experimentação. Seus principais nomes são a arquiteta e designer italiana Lina Bo Bardi (na direção do Museu de Arte Moderna da Bahia, mas trabalhando em sintonia com a Universidade), o diretor de teatro Martim Gonçalves, o músico e artista plástico suíço Walter Smetak, o afamado maestro alemão Hans J. Koellreuter, o historiador português Agostinho da Silva e a polonesa Yanka Rudzka, professora de dança contemporânea.
Além destes, profissionais e amadores como o jornalista João Ubaldo Ribeiro, os jovens Glauber Rocha, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Waly Salomão e Tom Zé, o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o filósofo Carlos Nelson Coutinho e muitos outros foram ativos freqüentadores do dia-a-dia da universidade. Seus trabalhos posteriores os colocam como representantes de um meio intelectual baiano, cujas atividades saíram da UFBA e dos circuitos boêmios e culturais de Salvador para o resto do mundo. http://tropicalia.com.br/ruidos-pulsativos/avant-garde-na-bahia

A Escola de Música foi um dos principais eixos na modernização da Universidade Federal da Bahia. Sua fundação ocorreu em 1954, durante a gestão revolucionária do reitor Edgard Santos. Com o primeiro nome de Seminário de Música da Bahia, a Escola promoveu durante quase duas décadas uma renovação completa no repertório musical baiano. Dodecafonismo, serialismo, obras de John Cage, Arnold Schoenberg e Pierre Boulez eram introduzidas aos alunos pela didática de seu diretor, o renomado maestro alemão Hans Joachim Koeullreutter. Seus ensinamentos, sua vasta bagagem musical e cultural e seu contato in loco com as vanguardas musicais européias deram a Koellreutter a possibilidade de inaugurar um novo tempo na música erudita – e popular – da Bahia.
Um dos primeiros intelectuais europeus convidados diretamente pelo reitor Edgard Santos a compor o quadro de professores da renovada UFBA, Koellreutter permaneceu à frente da Escola de Música entre 1954 e 1963. Ler mais em http://tropicalia.com.br/ruidos-pulsativos/avant-garde-na-bahia/musica


Fala como professor, refletindo sobre as relações entre artista e universidade: "muitos alunos me perguntam se devem ir para a universidade. Digo: vocês não estudam música para seguir aquilo que a academia ensina, mas para opor-se àquilo que ela quer ensinar. Estudem harmonia para contrariá-la. Esta é minha convicção: têm de aprender as regras da academia para saber como devem mudá-las para a criação de um mundo novo. Se não conhecem as regras, as marcas dos estilos anteriores, não podem criar algo novo. Precisam saber o tradicional para criar algo de novo. É realmente algo, não é tudo novo". http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141999000200011
 
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Metodologias para o ensino da música - - - 1ª geração: - Dalcroze


Quem fica parado é poste

Quando comecei a dar aulas de percepção musical na ULM Universidade Livre de Música peguei umas turmas enormes, com até 120 alunos na sala de aula. Como iria perceber, no meio de tanta gente, aqueles que tinham maior dificuldade em realizar os exercícios propostos de, rítmica, por exemplo?

Iniciei a fazer vários dos exercícios com a marcação do pulso em pés alternados, todos em pé, começando para um mesmo lado (esquerda ou direita) e realizações de outras células rítmicas com a mão, com movimentos de mãos e braços ao invés de palmas, cujo som ensurdeceria a todos. Uma das coisas que fazia para corrigir aqueles que não conseguiam manter o andamento correto era, ao invés de avisá-los de que estavam errados (mais lento ou mais rápido do que deveriam estar), me colocar ao seu lado e, encostando meus ombros aos seus, pedir que me acompanhassem, induzindo-os a um movimento pendular maior (se ele estivesse mais rápido que a pulsação) ou menor (se ele estivesse mais lento). Eu dizia “mais curto” ou “mais longo” e não “mais rápido” ou “mais lento”. A partir daí pedia aos colegas que estavam ao seu lado a continuarem orientando-os dessa maneira, quando necessário.

O tempo é algo difícil de manipular. Ele, na dimensão da percepção humana, é sempre relativo, hipotético, invisível, abstrato. O espaço não. O espaço é visível, dimensionável. Por isso é mais fácil de ser manipulado por quem tem dificuldades rítmicas.

Eu não conhecia Dalcroze. Mas o que estava fazendo era um, digamos assim, pensamento Dalcroziano. Por isso suas ideias me causaram uma feliz sensação de obviedade por achar que seus conceitos eram de uma coerência natural. Mas também me causou indignação por ver como era desperdiçado. Ninguém na ULM o usava sistematicamente com adultos (se alguém usava ocasionalmente eu não sei). Nem na ULM nem em escola nenhuma em que havia estudado ou dado aulas. Não o acho genial (claro, um século depois). Acho mesmo é um grande equívoco não usá-lo (que atraso de vida).

Não estou falando em adotar somente a metodologia de sua pedagogia musical porque muita coisa existe de boa e necessária além do Dalcroze. Mas seu pensamento é básico, lógico e funcional para trabalhar várias competências musicais, a começar pela rítmica, mas também a ideia de frases, de forma musical, de peso/leveza, rarefação/concentração. Sem falar na integração que isso faz entre a mente e o corpo do instrumentista, facilitando uma performance musical mais apropriada.



Contexto da época - Até então o ensino musical tinha como finalidade a arte do canto, do instrumento e introdução a harmonia e o contraponto. Os pedagogos impunham aos seus alunos exercícios de técnica instrumental, sem procurar desenvolver a sensibilidade e gosto, e afirmar a personalidade. Assim as escolas de música só serviam aos "dotados". com vozes afinadas e bons de ouvido. Foi neste contexto que o suíço Emile Jacques-Dalcroze (1865-1950) criou seu método eurrítmico. *1
 
 
Metodologia - Para entender melhor como a metodologia pode ser aplicada, imagine-se o aluno de uma escola de música tradicional. Quando está no conservatório, ele permanece boa parte do tempo sentado, fazendo apenas os movimentos relacionados ao aprendizado do instrumento musical. Ao adotar os princípios da Rítmica Dalcroze, porém, esse mesmo estudante vale-se do ensaio para movimentar todo o corpo no ritmo da música. É quando ocorre a interação entre melodia e gesto. Não raro, a experiência serve de estímulo à criatividade, uma vez que está intimamente ligada à improvisação. “O mais interessante desse método é que ele pode ser adotado por qualquer um, independente de idade, sexo ou condição física. Cada pessoa pode se movimentar dentro das suas potencialidades e limites”. *2


*1   http://batepapoafinado.blogspot.com/2009/09/metodo-dalcroze-breve-resumo.html
*2  http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2006/ju332pag12.html



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Metodologias para o ensino da música (pedagogias ativas)



Antes de focar o ensino da música, uma apreciação dos termos “pedagogia” e “ativa”.

O termo pedagogia deriva do grego e quer dizer amigo (gogo) da criança (pedo). Originalmente o termo designava o escravo que levava as crianças para a escola (scholé, que quer dizer ócio, em grego) para que o mestre (ludus magister, mestre de jogos ou brincadeiras) efetue a educação (do latim ex, que quer dizer para fora e duccere, que quer dizer conduzir, ou seja, educação, do latim ex duccere, quer dizer conduzir para fora). *1  O termo ativa se refere à qualidade ou estado de ser em ato; ao que tem participação, influência. *2 

O amigo da criança que as leva ao ócio para que o mestre de brincadeiras possa ajudá-las a manifestar seu potencial.

Brincadeiras à parte (essa "tradução" é bem tendenciosa), isso é sintético, quase uma Constituição. E o que seria, então, o contrário da pedagogia ativa? Pedagogia passiva, tradicional?

O que é a pedagogia tradicional?

A pedagogia tradicional é uma proposta de educação centrada no professor cuja função define-se por vigiar os alunos, aconselhá-los, ensinar a matéria e corrigí-la. A metodologia decorrente de tal concepção tem como princípio a transmissão dos conhecimentos frequentemente através de aula expositiva, numa sequencia predeterminada e fixa, enfatiza a repetição de exercícios com exigências de memorização .
O professor fala, o aluno ouve e aprende. Não leva em consideração o que a criança aprende fora da escola, seus esforços espontâneos, a construção coletiva.
A figura do professor como detentor do saber é a força motriz. Na maioria das escolas essa prática pedagógica se caracteriza pela sobrecarga de informações que são veiculadas aos alunos, o que torna o processo de aquisição de conhecimento, muitas vezes burocratizado e destituído de significação.
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Mas para entender porque esse foi o ensino tradicional temos que entender o processo histórico da criação das escolas.

No início do século passado, surgem os sistemas nacionais de ensino. Esses sistemas foram originalmente constituídos sob o princípio orientador: A Educação é direito de todos e dever do Estado. Assumindo o poder com a Revolução Francesa e intencionando nele se consolidar, a burguesia defende a constituição de uma sociedade democrática, ou seja, a democracia burguesa. Para ascender a um tipo de sociedade fundada nos princípios da igualdade, fraternidade e liberdade entre os indivíduos, era imprescindível vencer a barreira da ignorância. Somente assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque esclarecidos. Tal tarefa só poderia ser realizada através da escola.

Nesta perspectiva, a marginalidade é identificada com a ignorância, ou na nova sociedade burguesa, o marginal é o ignorante. A escola é vista, portanto, da marginalidade . Dentro deste quadro, o papel da escola é o de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade. A escola tem a intenção de conduzir o aluno até o contato com as grandes realizações da humanidade, isto é, o que essa classe social elegeu como os grandes valores da humanidade. Esta escola realça os modelos em todos os campos do saber. O professor é o responsável pela transmissão dos conteúdos, é o centro do processo educativo. Deve, portanto, ter domínio dos conteúdos fundamentais e ser bem preparado para a transmissão do acervo cultural.

A experiência relevante que o aluno deve vivenciar é a de ter acesso democrático às informações, conhecimento e idéias, podendo, assim, conhecer o mundo físico e social. Enfatiza-se a disciplina intelectual, para o que se necessita de atenção, concentração, silêncio e esforço. A escola é o lugar por excelência onde se raciocina e o ambiente deve ser convenientemente austero para o aluno não se dispersar.

O professor (mais tarde, o dono da escola) tem poder decisório quanto à metodologia, conteúdo e avaliação. Procura a retenção das informações e conceitos através da repetição de exercícios sistemáticos (tarefas). Há a tendência de tratar a todos os alunos igualmente: todos deverão seguir o mesmo ritmo de trabalho, estudar os mesmos livros-texto, no mesmo material didático e adquirir os mesmos conhecimentos. Aqui, a concepção de educação é caracterizada como produto, já que estão pré-estabelecidos os modelos a serem alcançados. Não se destaca, portanto, o processo. São privilegiadas as atividades intelectuais.

A transferência da aprendizagem depende do treino, sendo imprescindível a retenção, a memorização, para que o aluno responda a situações novas de forma semelhante às situações anteriores. Em resumo, pode-se afirmar que nesta pedagogia há uma redução do processo educativo a, exclusivamente, uma de suas dimensões: a dimensão do saber.
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Observe como isso é o padrão na maioria das escolas de música, desde as salas de aula da escola básica  aos projetos de formação de músicos até as faculdades e conservatórios brasileiros.


É’  preciso ver que esse ensino tradicional foi uma conquista, foi um avanço em relação ao passado. Foi a idéia de criar a escola para todos, coisa que no Brasil só veio realmente acontecer nos anos 70 do século XX. Quando esse ensino é realmente colocado em prática atingindo toda a população brasileira ele já tem acumulado quase um século de críticas quanto aos resultados e principalmente quanto a seus propósitos.

Pergunta aos alunos, professores e coordenadores da Pós graduação: O que você acha das escolas de renome, das faculdades de música como a USP, a UNESP, a UNICAMP e mesmo as Faculdades Integradas Cantareira manterem o ensino da música na graduação baseado na concepção tradicional descrita acima?



*1 http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/filos30.htm
*2  (Dicionário Aurélio)
*3 http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080819113425AAt32iN
*4 http://www.obore.com/acontece/textos_especiais_em_torno_de_algumas.asp
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