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Sobre alguns tópicos do livro "Regência Coral" de Oscar Zander

Para que possamos abordar este tópico nas aulas futuras, oriento a todos para que leiam o texto abaixo (Regência Coral - Oscar Zander). Façam uma análise relacionada com o seu cotidiano de trabalho artístico e produzam um texto que expresse pontos de concordância e/ou discordância ao que é proposto pelo autor, a partir de suas próprias experiências.
Poderão enviá-lo até o dia 04/11

Bom trabalho! Abraço a todos,
Mara Campos
 
Para facilitar a leitura dos comentários coloquei-os na sequencia ao texto do autor (em azul).

I - Conceito de Regência Coral
5 - A personalidade do regente
(páginas 27 e 28)
"Como o regente representa um papel perante o público, é evidente que este papel deve ser estruturado e vivido artisticamente.Até que ponto usa sua capacidade mímica, ou faz uso de seus gestos pessoais de dança, é o ponto essencial desta atividade. O importante é como ele harmoniza os gestos no todo. O máximo de atividade exterior pode ser necessário e justificado artisticamente, assim como muitas vezes o clímax de tensão artística se realiza num clima de máxima calma."


Não sei qual o contexto da citação acima. Se é do ponto de vista do trabalho de corpo do regente ou do papel social que representa a figura do regente, do maestro.
6 - O regente como formador e educador de seu grupo
(página 30)
"O regente deve, com sua técnica e conhecimento da literatura, saber entusiasmar e despertar cada vez mais o interesse do seu grupo,
para que os ensaios em suas muitas vezes intermináveis repetições, não se tornem monótonos, mas sejam fonte de renovação - apesar da repetição - e com isso levem a um gradativo aperfeiçoamento e maturidade." 
Concordo.


II - Breve histórico do desenvolvimento da regência
6 - De Mannheim até nossos dias
(páginas 46 e 47)
" Há o problema referente à fidelidade na execução da obra, contrapondo-se à liberdade interpretativa, assim como aquela regência que se adapta ao estilo, em oposição à outra onde predominam os procedimentos de ordem puramente pessoal e subjetiva de muitos regentes. Evidentemente, deve haver um estilo pessoal nos movimentos de cada um, porém este deve manifestar-se através de um conhecimento profundo de toda a prática do passado, do estilo das diferentes épocas, a fim de assegurar uma unidade de intenções estéticas conforme o espírito em que foram criadas as obras. Deve haver unidade nas intenções dos regentes, caso contrário, a anarquia consequente das liberdades pessoais prejudicaria a verdade histórica."
Existe uma tendência de associar a melhor escolha estética na interpretação da música de concerto à fidelidade de estilo. Contrariamente, na música popular, a tendência é associar a melhor escolha na opção de interpretar fazendo uma releitura. Ou seja, uma prezando a tradição outra a renovação. (note que é tendência, não a totalidade).
Creio que ambos os pensamentos estão corretos, mas devemos ter a consciência das causas em se optar por uma coisa ou outra, e são elas:
1.     A expectativa do público: determinados meios são tradicionais. Esperam de você o rigor do conhecimento histórico e a devida coerência estética. Outro público pode querer exatamente o contrário.
2. Saber qual a finalidade da realização: estudo e prática do estilo; estudo comparativo; estudo de criação artística baseada no estilo; estudo de outros estilos (vestir uma música com a outra roupa); objetivo artístico geral maior que o musical quando queremos dar um significado diferente do que quando usado de maneira usual; exercício de livre criação; divertimento; etc.
De qualquer maneira, tanto para música de concerto como para música popular, é preciso saber como foi executado tal tipo de música ao longo dos tempos por qual categoria de músicos e público e comparar com o que contemporaneamente é tido como o mais correto (por quais grupos, pois quase nunca haverá consenso).

VI - O regente e sua prática pessoal
3 - A concentração do regente; sua preparação pessoal
(páginas, 151, 152, 153 e 154)

"Todo trabalho coral, inclusive cada ensaio, é sempre uma atividade criadora e pedagógica."
 
Existe na citação acima uma contradição com muito do que está descrito pelo autor por aí abaixo. Se a atividade criadora é para os participantes do coral o regente deve priorizar aos componentes do grupo as atividades que possibilitem o ato da criação incluindo aí a indicação de um repertório e não a definição prévia feita exclusivamente por ele. Se a atividade é pedagógica parece que reflete a concepção bancária da educação, cf. se referia Paulo Freire às práticas de ensino em que o aluno (no caso o coralista) é visto como uma conta no qual o regente deposita seu conhecimento para depois poder sacar o que foi aplicado.*1
*1 - Exemplo de educação antidialógica é a "concepção bancária da educação" (FREIRE, 1983, p. 66), a qual mantém a contradição entre educador-educando (cf. idem, p. 67). A concepção bancária distingue a ação do educador em dois momentos, o primeiro o educador em sua biblioteca adquire os conhecimentos, e no segundo em frente aos educandos narra o resultado de suas pesquisas, cabendo a estes apenas arquivar o que ouviram ou copiaram. Nesse caso não há conhecimento, os educandos não são chamados a conhecer, apenas memorizam mecanicamente, recebem de outro algo pronto. Assim, de forma vertical e antidialógica, a concepção bancária de ensino "educa" para a passividade, para a acriticidade, e por isso é oposta à educação que pretenda educar para a autonomia.

[Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire / Vicente Zatti. - Porto Alegre : EDIPUCRS, 2007- Capítulo III - http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/3.6.html]


O que acontece é que esta é a tradição coral brasileira (talvez mundial, sei lá). O regente é o foco da atividade coral. Ele é a pessoa mais importante no trabalho. Os créditos do trabalho serão sempre dele. Os coralistas são meros peões. E isso dos créditos é tão arraigado que o regente mesmo não tem condição de mudar. Quando coloco os vídeos do Lumiá no YouTube as pessoas comentam “como é bonito seu trabalho” e não “como é bonito o trabalho dessas pessoas que cantavam no Lumiá”. Não vejo problema em receber os créditos como educador, como a pessoa que realizou o trabalho pedagógico que resultou num fazer artístico de qualidade, mas em receber os créditos de um resultado artístico que foi gerado pelo trabalho de todos.
 Mas o que lamento muito mesmo é que essa prática não é desestimulada. Ainda mais quando sabemos que na instância “Canto Coral” sempre acabam sendo as conquistas cultural/social/educacional uma realização de mais alto valor que a artística (embora a gente nunca possa pensar nisso, pois se o artístico é depreciado como objetivo as outras coisas não funcionam; elas se aglutinam sobre a atividade do fazer arte, do produto artístico que resulta desse trabalho coletivo). O regente deve saber que a atividade dele é imprescindível, que é linda, que é engrandecedora, mas que ele não passa de um professor como outro qualquer, digno como outro qualquer, admirável como outro qualquer e nada mais do que isso (nós artistas temos a tendência de achar que somos melhor que os outros).



O primeiro passo para planejar e preparar um ensaio é escolher a obra apropriada. (...) Que não seja uma música tomada ao acaso e simplesmente incluída entre as outras já ensaiadas, sem o menor critério estético. Não é qualquer quadro, por melhor que seja, que tem efeito ao lado de outro. Às vezes eles se anulam.
Fora o que foi comentado acima o regente como educador, como o “mestre de brincadeiras que ajuda seus coralistas a manifestar e desenvolver seu potencial” (*2) deve ter em mente que o repertório pode ter no mínimo três funções distintas, não necessariamente abarcadas ao mesmo tempo (na realidade quase nunca): 1. Função didática; 2. Função lúdica; 3. Função artística. Nesse último caso a observação acima é muito pertinente.
*2 - ver aqui no Hieroglifólio:  Metodologias para o ensino da música

(...) O texto deve ser estudado a fundo, pois muita coisa expressiva da música está em íntima relação com o texto. Este também deveria pesar na escolha da música para o programa ou para o grupo.
O texto é uma das linguagens contidas na atividade musical de um coral. O texto não deve ser esquecido, pois nenhuma das linguagens deve ser preterida. Isso não significa que em cada momento não estaremos elegendo uma ou outra como a linguagem principal, a que estará em primeiro plano.
Linguagens: uma música feita por um coral geralmente contém a 1. música pura; 2. O texto; 3. A expressão corporal (como um ator); 4. O figurino; 5. A arquitetura do espaço da apresentação; 6. A envoltura de significados do evento (se é um concerto, se é uma cerimônia, se é um encontro).


(...) Outro fator importante é o grau de dificuldade que uma partitura apresenta ao grupo. Nunca escolher músicas demasiado difíceis, só para mostrar que o grupo sabe e pode cantar coisas difíceis. (...) A música não tem sucesso pelo grau de dificuldade, mas antes pelo grau de perfeição e musicalidade com que é executada. É melhor executar bem uma partitura fácil do que executar sofrivelmente uma partitura difícil.
Concordo plenamente. Mas as vezes podemos colocar no repertório de ensaio algo maior que nossa capacidade, como uma atividade para o ensino musical.

(...) Outro fator que deve ser levado em consideração é a extensão e a exigência sonora da música. A obra a executar deve estar de acordo com a estrutura do agrupamento.
... de acordo com a capacidade técnica do grupo, de acordo com a função da música (cf. escrito acima)...

(...) O lugar, o espaço e ambiente onde as músicas deverão ser executadas também têm muita influência em sua apresentação. Assim, obras destinadas a grupos menores deveriam ser apresentadas em salas de ambiente camerístico e vice-versa.
Isso!

(...) O regente deverá absorver a obra como se fosse o próprio compositor. (...) Resumindo:
a - cantar todas as vozes até o completo domínio das dificuldades, que sejam rítmicas, intervalares ou de respiração e emissão.
 Isso faz parte do mito: o mito do regente de qualidade musical inalcançável, e por isso autoridade indiscutível. O músico perfeito que conduz as massas ignorantes para o Olimpo musical. E’ claro que o regente deve ter a capacidade de realizar o repertório, mas por que ele deveria saber cantar bem todas as vozes? Para poder ensinar, certo? Então um técnico de futebol precisa jogar melhor que os jogadores? Não. Ele deve saber ensinar, deve saber as táticas do ensino e do fazer musical, mas não precisa cantar melhor do que todos. Isso não quer dizer que ele não deva saber cantar bem. Claro que um técnico de futebol que mostra como se bate uma falta é muito eficiente nesse quesito, mas se ele não souber mais cobrar faltas terá outras maneiras de demonstrar. O regente tem que dar conta de ensinar, e tem quase que a obrigação de formar cantores melhores que ele. Se estes cantores aprenderam a solucionar sempre as questões rítmicas, intervalares e de emissão então que ele aproveite para aspirar performances mais ousadas.


 b - Uma vez sabendo todas as vozes, procurar imaginar a sonoridade e harmonia resultante destas. (...)
c / d - Sentar-se a um instrumento (órgão, piano) e cantar uma voz enquanto toca as outras. Passar cantando, uma a uma, por todas as vozes.
 Outro equívoco! Ele deve não imaginar, mas realmente ouvir internamente a harmonia resultante de todas as vozes que serão executadas. Se conseguir ouvir só olhando a partitura, ótimo. Mas se não, pode tentar o uso de um instrumento harmônico. Se não souber tocar, não há problemas. Use instrumentos mais modernos, que tocam sozinho pra você. Se não houver possibilidade nem disso, ensine as vozes para o coro e escute a sonoridade e a harmonia ali mesmo pela primeira vez. Isso sempre irá funcionar. E não se esqueça de que devemos com frequência escutar a música feita pelo coro como se fosse a primeira vez que a ouvimos. Essa prática é sempre mais eficiente que a recomendação anterior, pois ela é a realidade. E’ sobre essa realidade que o regente deve atuar.

e - Marcar as partes que poderiam apresentar dificuldades para os cantores, tais como saltos melódicos complicados; ritmos intrincados e difíceis; entradas problemáticas (...)
Isso é bom para os iniciantes. Depois de alguns anos de trabalho sabemos quase que imediatamente a solução para a maioria das dificuldades que encontramos, principalmente se nunca paramos de estudar e de guardar na memória todas as soluções encontradas por nós ou por nossos alunos/cantores.

f - As partes mais difíceis devem, já no primeiro ensaio, estar decoradas. (...)
E’ uma boa sugestão, mas se não tiver decorado, confie na sua capacidade de aprender rápido, conforme lê a partitura junto com os cantores que estão aprendendo sua parte. Algumas vezes faço isso como exercício, pois devemos estar preparados para enfrentar essas situações. Elas sempre nos acontecem.

g - Cada voz deve observar rigorosamente a respiração. Marcar exatamente os sinais de fraseio (...)
Duvidoso. Deve marcar com lápis, pois essas marcações iniciais quase sempre mudam ao longo do estudo da música, de como a música vai tomando forma em função da sonoridade que vai sendo conquistada pelo grupo (timbres, articulações...). O regente deve ter perspicácia, não perder a oportunidade de se chegar ao resultado final usando todos os elementos musicais, nascidos ali, que estarão a favor de tudo e de todos. Mas na maioria das vezes o regente é instruído a ter uma concepção final da obra antes de botar a mão na massa. Isso não seria um problema se eles não ficassem engessados a ela.

h - O texto é importante, pois ele está, com a língua em que a música se baseia, em estreita relação à sonoridade típica da composição.(...)
Já falou disso, mas vale sempre a pena lembrar.

i - As partituras devem vir logo no primeiro ensaio com todas as marcações e correções necessárias como: respiração, fraseio, dinâmica, compassos e ritmos marcados. (...)
De jeito nenhum. Isso pode (até deve) ser feito como um estudo prévio de possibilidades, como um esboço. Mas nunca passar essas marcações todas aos coralistas. E’ como um planejamento qualquer. E como disse minha colega Cassia, parafraseando o Pessoa, “planejar é preciso, mas não deve ser preciso”. Pensemos juntos: seria ridículo exigir isso de um diretor de teatro. O texto original é a base para toda a recriação da obra e ela se tornará mais interessante quanto mais participarem as pessoas, submetidas aos processos de criação, interferindo no processo criativo. Claro que a junção das partes, a coerência de uma nova leitura, as novas revelações e a linha estética poderão ter a marca do diretor. No entanto muitas vezes a marca que ele deixa é só a marca do processo. Tem diretor que é conhecido exatamente por isso.
Também é uma questão de concepções de trabalho. Várias são as que funcionam. Cada uma traz à tona um resultado coerente com essa concepção. Esse texto acima é um ótimo manual, mas da velha maneira, ainda em voga, de se fazer coral no Brasil.
 

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Isaac

Aprendi muito lendo os seus comentários.
Abraços!

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