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Metodologias para o ensino da música (pedagogias ativas) - 2ª geração (pós 1945)



Era Koellreutter um D. Quixote alemão?


Algumas pessoas poderão perguntar: “Koellreutter foi professor de música, mas pode ser considerado um pedagogo? Quer dizer, existe um método Koellreutter de ensino musical”?

A primeira eu vou deixar para que o próprio leitor responda depois de ler o que segue por aqui.

Vou começar respondendo a segunda questão: Não existe um método Koellreutter, assim, escrito em livrinhos e apostilas, mas existe um pensamento Koellreutter. Não existem pessoas dando prosseguimento ao seu método, mas ao seu pensamento, mesmo que este não seja necessariamente original, principalmente se nos dermos conta de que, no Brasil, sem ele a vanguarda musical seria muito menos vanguarda e talvez muito menos musical também.

Já que citei a palavra vanguarda, é bom lembrar a evidência dessa palavra na obra de Koellreutter. Quase todos os debates que houveram em torno dele foram o duelo entre a vanguarda e a tradição. Isso a começar com as públicas polêmicas entre ele e o compositor Camargo Guarnieri, se estendendo pela peleja entre os serialistas e os nacionalistas, tropicalistas e CPCistas (ver artigos abaixo) até chegar ao prélio entre os loucos e os caretas já nos anos 90, tempo onde a maioria dos loucos e vanguardistas se tornaram senhores respeitáveis e caretas (sei que ninguém se autoproclamaria louco nem careta, foi só um epítome meu).

Se eu tivesse que definir Koellreutter de uma maneira simples diria que ele foi uma pessoa que se preocupava integralmente com a busca do novo, com o fazer o novo. O que me leva a isso é, além de tomar conhecimento de sua trajetória, ouvir o que ele mesmo disse: “A função da música é de ser artisticamente criadora e poder clarificar grandes ideias filosóficas e científicas da sociedade em que vive.”

Como pedagogo, seus princípios metodológicos essenciais “induziam como proposta um ensino pré-figurativo, que é um sistema que incita o homem a se comportar perante o mundo não como diante de um objeto, mas como o artista diante da obra a criar” (citado por EnnY Parejo).

Diante disso ele afirmava que “Não é preciso ensinar nada que o aluno pode aprender sozinho, nada que pode aprender nos livros. E’ preciso aproveitar o tempo para fazer música, para improvisar, experimentar, discutir e debater”.



Como esse blog é também um espaço para minhas conclusões, nem sempre baseadas na pesquisa, deixo minha livre impressão sobre ele:

Acho que fui o único a colocar no meu currículo: “Nunca estudou com Koellreutter”. Muita gente não entendeu o que eu quis dizer. Quase todos da minha geração tinham no currículo “estudou com Koellreutter em...”, e, por irreverência, coloquei para marcar minha originalidade. Sempre lamentei não ter tido a oportunidade de tê-lo como mestre, mas tive contato portanto influência através de seus alunos, pessoas com as quais convivi.

Passei parte de minha vida procurando o novo. Já tinha acabado a onda de renovação artística/moral/política evocada pelos movimentos de 68, pela contracultura, tropicalismo, rock progressivo, luta contra a ditadura militar... pelo muro derrubado em Berlin. Vivi minha adolescência bebendo ideias dessas atividades organizadas e, quando já estava artisticamente ativo, surgia uma nova ordem política/econômica/social/moral no mundo contemporâneo. Entrava aí um período de calmaria, onde quantos anos de lutas sociais, ideias e tecnologia produziram esse nosso tempo com novas relações entre homens, países, meio ambiente. Não é fácil tatear o próximo futuro, fazer o papel atuante da vanguarda artística. Pois o novo é ainda muito novo e parece que ficamos sempre a dizer o óbvio, brincando de justapor o velho para criar algo que só é novo na aparência. Porque enquanto as coisas não se assentam, esse é um tempo em que parece não haver o invisível a revelar.

Talvez por isso, muitos dessa geração mais nova que eu se referem a ele como quem se refere a Dom Quixote: “Um velho visionário correndo atrás de moinhos de vento”. Mas não é isso. Koellreutter pode ter morrido numa época em que os moinhos deixaram de existir, e demorarão um tempo incerto para voltarem a aparecer. O que ele enquanto vivo nunca deixou de ser mesmo foi o vento. O vento que move os moinhos.



Artigos e referências:
 
O paulistano Júlio Medaglia, um dia, já participando de uma orquestra de amadores na Lapa paulistana, conhece o então oboísta Isaac Karabitchevsky, que o leva para a Escola Livre de Música, onde lecionava um dos grandes mentores musicais da época, Hans Joachim Koellreutter. Seu contato com esse mestre alemão lhe abre um novo e amplo universo musical. Quando, no final dos anos 50, Koellreutter muda-se para Salvador, para montar os Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia, Júlio Medaglia o acompanha. Lá, se aperfeiçoa em regência, inicialmente coral e depois sinfônica. Aproveitando a oportunidade de estudar no Velho Mundo, Júlio Medaglia cursa os festivais de música contemporânea de Darmstadt, com dois ícones da música erudita da segunda metade do século 20, Stockhausen e Boulez.
No final dos anos 60, Júlio retorna ao Brasil e participa ativamente, com Solano Ribeiro, da organização dos célebres Festivais da Record. Nessa época, culturalmente excitante em todo o mundo, participa dos mais variados movimentos artísticos de vanguarda, entre os quais o da Poesia Concreta, "oralizando" poemas com os irmãos Campos e Décio Pignatari. No final de 1967, escreve o revolucionário arranjo para a canção "Tropicália", de Caetano Veloso, que marca o início do Tropicalismo.
Em 1968, na Record, a mais importante estação de TV da época, produz o "Opus 7", um dos mais criativos e bem sucedidos programas de música clássica da televisão brasileira. http://www2.uol.com.br/juliomedaglia/bio.htm

 
Para melhor apreciar o significado da presença de Koellreutter e do nascimento dos Seminários de Música da Bahia, será conveniente empreender duas pequenas expedições históricas. Uma delas em plano internacional, remetendo-nos aos primórdios do século XX. E a outra em âmbito brasileiro, orientada inicialmente para a década de 1920, decênio que assiste à projeção-afirmação de Villa-Lobos e à publicação do Ensaio Sobre a Música Brasileira de Mário de Andrade – vale dizer, à conformação do nacionalismo musical em nossos trópicos, no rastro da Semana de Arte Moderna de 1922. Ou seja: vamos nos deparar, de uma parte, com a crise do antigo sistema tonal; e, de outra, com uma reação brasileira contra a importação da mais nova (não da mais velha) escrita musical européia. É necessário levar simultaneamente em conta estas duas dimensões pelo simples fato de que Koellreutter era um músico europeu de vanguarda e entrou em choque com o nacionalismo musical brasileiro, antes mesmo de assumir a direção dos Seminários de Música da Universidade da Bahia, onde permaneceu de 1954 a 1963, quando entregou a batuta quente a Ernst Widmer, egresso do Conservatório de Zurique.   http://tropicalia.com.br/leituras-complementares/koellreutter


No final da década de cinqüenta e início da década de sessenta, a cidade de Salvador passou por uma série de transformações que marcariam definitivamente a sua história cultural e, de forma mais ampla, de todo País. Tais transformações teriam, anos mais tarde, conseqüências diretas em movimentos como o Cinema Novo e o Tropicalismo. O principal motor dessas transformações foram as experiências revolucionárias ocorridas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). A reforma instalada pelo visionário reitor Edgard Santos proporcionou uma renovação profunda na vida cultural da cidade e gerou uma nova leva de intelectuais e criadores, cujas obras permanecem até hoje instigantes e inovadoras. A partir do planejamento e dos esforços de seu reitor, a reforma da UFBA trouxe para os seus estudantes novas perspectivas em áreas como a Música, o Teatro, a Filosofia, a História, as Artes e a Dança.
Com tal proposta de renovação, Edgard Santos conseguiu articular diferentes frentes de pensamento e ação cultural da cidade ao redor da universidade.
Entre os colaboradores e professores da UFBA, destaca-se uma série de artistas e de pensadores internacionais comprometidos com as idéias de vanguarda e experimentação. Seus principais nomes são a arquiteta e designer italiana Lina Bo Bardi (na direção do Museu de Arte Moderna da Bahia, mas trabalhando em sintonia com a Universidade), o diretor de teatro Martim Gonçalves, o músico e artista plástico suíço Walter Smetak, o afamado maestro alemão Hans J. Koellreuter, o historiador português Agostinho da Silva e a polonesa Yanka Rudzka, professora de dança contemporânea.
Além destes, profissionais e amadores como o jornalista João Ubaldo Ribeiro, os jovens Glauber Rocha, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Waly Salomão e Tom Zé, o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o filósofo Carlos Nelson Coutinho e muitos outros foram ativos freqüentadores do dia-a-dia da universidade. Seus trabalhos posteriores os colocam como representantes de um meio intelectual baiano, cujas atividades saíram da UFBA e dos circuitos boêmios e culturais de Salvador para o resto do mundo. http://tropicalia.com.br/ruidos-pulsativos/avant-garde-na-bahia

A Escola de Música foi um dos principais eixos na modernização da Universidade Federal da Bahia. Sua fundação ocorreu em 1954, durante a gestão revolucionária do reitor Edgard Santos. Com o primeiro nome de Seminário de Música da Bahia, a Escola promoveu durante quase duas décadas uma renovação completa no repertório musical baiano. Dodecafonismo, serialismo, obras de John Cage, Arnold Schoenberg e Pierre Boulez eram introduzidas aos alunos pela didática de seu diretor, o renomado maestro alemão Hans Joachim Koeullreutter. Seus ensinamentos, sua vasta bagagem musical e cultural e seu contato in loco com as vanguardas musicais européias deram a Koellreutter a possibilidade de inaugurar um novo tempo na música erudita – e popular – da Bahia.
Um dos primeiros intelectuais europeus convidados diretamente pelo reitor Edgard Santos a compor o quadro de professores da renovada UFBA, Koellreutter permaneceu à frente da Escola de Música entre 1954 e 1963. Ler mais em http://tropicalia.com.br/ruidos-pulsativos/avant-garde-na-bahia/musica


Fala como professor, refletindo sobre as relações entre artista e universidade: "muitos alunos me perguntam se devem ir para a universidade. Digo: vocês não estudam música para seguir aquilo que a academia ensina, mas para opor-se àquilo que ela quer ensinar. Estudem harmonia para contrariá-la. Esta é minha convicção: têm de aprender as regras da academia para saber como devem mudá-las para a criação de um mundo novo. Se não conhecem as regras, as marcas dos estilos anteriores, não podem criar algo novo. Precisam saber o tradicional para criar algo de novo. É realmente algo, não é tudo novo". http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141999000200011
 

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