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Semiótica para músicos: Uma obra musical é um objeto ou um signo?


A sina de uma música (uma composição) é ser um signo sem objeto. Pensemos junto: qual o objeto dinâmico da Variação nº 25 (clique aqui e assista um pouquinho do Glenn Gould tocando; vale à pena ver além de ouvir) das Variações Goldberg de Bach (BWV988)? A partitura, quando ele terminou o esboço? A partitura, quando foi impressa? A partitura, ainda como representação mental, locus dos quali-signos acústicos contidos na memória de Bach? Ou simplesmente o conjunto de fenômenos acústicos que foram/vão acontecendo ao longo do tempo da execução? Qual execução? A real, quando a tocou, ou a virtual, quando imaginou a obra?




Uma composição é um conjunto de fenômenos acústicos e estes podem ser encarados como objetos acústicos. Mas que espécie de objetos? Materialmente não passam de ondas e uma onda não é nada mais que uma perturbação energética na matéria. Mas a composição em si – não a partitura que carrega uma série de símbolos musicais – mesmo para Bach, essa composição, o objeto dinâmico Variação nº 25, não existe. O que existe é um objeto imediato, que na realidade é um conjunto de qualidades acústicas, e como parte integrante do signo, não é estático. O objetivo do compositor ao criar a composição é que esta seja um signo que represente ele próprio (signo).

No caso específico da Variação nº 25, sabemos que foi composta a partir de um tema num processo de inversões, retrógrados, imagem espelhada, etc. São processos que parecem muito mais imagéticos, de manipulação de um objeto quase palpável (a pequena estrutura melódico-rítmica do tema de Goldberg), transformados em música por Bach mediante esse procedimento que incluiu a expansão, a contração e mudança de altura que parecem mais manipulações de um escultor que de um músico. A semelhança do processo entre esses dois fazeres artísticos não é casual. O signo final Variação nº 25 nasceu da representação de uma estrutura acústica simples, assim como a Pietá nasceu de uma rocha de mármore. Ambos, a rocha e a pequena estrutura melódico-rítmica do tema de Goldberg não eram objetos de valor artístico.


Uma complexidade de signos na unidade de uma composição, daí também sua característica de ambiguidade, de possibilidades infinitas sempre que há um novo intérprete musical, sempre que há uma nova execução pelo mesmo intérprete – ainda que queira executar da mesmíssima maneira, estando sujeito às variações de sua percepção e de seu controle motor – sempre que há uma nova execução, mesmo se realizada através de um meio mecânico ou eletrônico, pois cada vez que é tocada outros signos, sonoros ou não, interferem na apreensão deste. Também pelo motivo de que quando escutamos a obra musical estamos sujeitos às variações da percepção dos fenômenos acústicos, parte por causa dos nossos órgãos de percepção, que não funcionam sempre da mesma maneira, e parte pelo fato de que nossa mente sempre vai agregando novos julgamentos de percepção (e jogando fora outros), julgamentos que são afetados tanto pelo que acontece fora de nós, como pelo que está acontecendo no interior da nossa mente.
Podemos ir adiante e afirmar, ao menos como uma arguição, que quando um compositor olha para sua obra e não a vê como objeto real – porque esse objeto não existe – mas sim como objeto imediato, este, o compositor, já não é algo fora do signo “composição” que ele criou. Ele mesmo faz parte do signo. Essa composição não existe enquanto não existe a mente do compositor como signo componente do objeto imediato ‘composição’. E podemos estender esse fato ao intérprete, que não é potencialmente um intérprete enquanto não tiver transformado aquele objeto partitura, por exemplo (que é apenas uma composição em hipótese ou composição em potencial), em um objeto imediato, momento em que ele mesmo se tornará signo, a parte primeira do signo.
Embora não possamos verdadeiramente avaliar a maneira de Bach perceber sua obra Variação nº 25, é evidente que para um intérprete como Glenn Gould a percepção é completamente diversa, não só pelas variações de percepção citadas acima, mas pelo olhar original: Bach viu a pedra (e vislumbrou o processo). Glenn Gould viu a Pietá.
Uma coisa é certa: tanto qualitativamente quanto quantitativamente é muito distinta a exigência do conhecimento da estrutura da composição que um intérprete deve ter para executar Bach – o Bach nas variações Goldberg – do que se compararmos à exigência do conhecimento da estrutura na obra minimalista como as de Phillip Glass, salvo alguma exceção. Então vemos que, embora tudo seja música, a diferença de propósito na criação da obra confere à criatura padrões diferentes de significância. A importância da compreensão estética da harmonia é fundamental nas Variações Goldberg. Não que não seja importante em Phillip Glass, mas não é sobre as nuances da harmonia que a música de Glass tem significado mais importante. Em Glass o intérprete deve ter em mente a geografia da obra muito mais clara e permanente que em Bach. Fazendo uma metáfora, em Bach o intérprete tem que prestar atenção em cada passo enquanto que em Glass ele deve prestar atenção em cada quadra.
Mesmo o ouvinte de Glass: se ficar querendo prestar muita atenção em cada passo não suportaria ouvi-lo. O ouvinte deve prestar atenção no macro da peça, deixando-se transpassar com prazer pela infinidade de sons que estão presentes naquele espaço de tempo, um prazer mais físico que prazer emocional ou intelectual, como costuma acontecer na escuta contemplativa da obra de J. S. Bach.

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Anônimo

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