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Iniciação à regência coral


Gestos, coordenação motora, brincadeiras de conteúdo musicalizante. Estamos por aqui estudando os fundamentos da técnica de regência coral, incluindo aí a marcação dos tempos, o andamento, a condução da articulação de frases e fonemas, a expressão dinâmica, a comunicação com os integrantes do grupo, a eficiência dos movimentos, tudo para um fazer musical prazeiroso e eficiente.

Será que é necessário a figura do regente para formação de um grupo coral?

Existem grupos vocais que não atuam com um regente lá na frente fazendo tudo isso que estamos aprendendo. Mas é preciso ver que para isso acontecer é necessario uma série de condições que permitam essa transcendência. A primeira condição é a formação de um grupo de pessoas com habilidades musicais, com experiência no fazer musical coral e uma afinidade enorme entre elas, tanto do ponto de vista musical como do ponto de vista das relações de grupo, de como lidam com as divisões do fazer musical, de como lidam com as funções que lhe são designadas a cada momento, de como lidam com o nascimento desse "designar".

Para formar um grupo assim basta chamar um monte de gente que canta bem e são legais pra caramba, certo?
Errado! Eu nunca vi um grupo que deu certo começando desta forma. Além do mais é preciso que haja necessidade dessa transcendência à atividade do condutor, o que na maioria dos casos não é necessário.


Aí voltamos a pergunta inicial. Dá pra formar um grupo, ensinar o fazer musical, permitir o acúmulo de experiência musical e social sem ter um regente, um professor, uma liderança?

Na minha opinião não, não dá. Embora hajam muitos grupos não tem essa liderança, quase sempre por total falta de opção. E sofrem muito com isso, com a falta de alguém preparado para fazer essa tarefa.

Então se não dá, o grupo precisará de um condutor, um professor, uma liderança. Essa pessoa tem que saber música, tem que conhecer repertório para grupos, deve saber fazer arranjos (por isso colocaram na grade do nosso curso), tem que ter uma proposta que sintetize o que você acredita como valores de uma pedagogia musical e tem também que saber expressar com o corpo tudo isso, para proporcionar ao grupo a possibilidade de fazer música em conjunto.


Mas aquela pergunta inicial muitas vezes está associada ao questionamento da necessidade de um regente para no momento da execução musical.

Será que a presença de um condutor é realmente necessária?

E aí podemos lembrar dos três textos que lemos para tirar a conclusão. Os textos falam sobre a maior complexidade sonora exigindo a presença exclusiva de um músico com a função de conduzir a música, principalmente para marcar o tempo musical e também para conduzir a dinâmica, praticamente única função dos condutores do canto gregoriano. E à partir do romantismo, devido à "subjetividade crescente  com que as novas obras musicais eram compostas"¹, a necessidade de uma pessoa para determinar essa subjetividade.
Bozzini³ faz uma bela síntese: "Podemos dizer que o ato de reger acontece em vários níveis distintos:
1. No mais imediato, os gestos do maestro devem indicar ao músico quando e como tocar.
2. Num segundo nível, ele deve frasear o discurso musical, conseguindo dar a cada frase sua inflexão adequada, destacando-a dos acompanhamentos.
3. Do ponto de vista mais elevado, ele deve ser capaz de articular a forma da música, conseguindo estruturar o jogo formado entre a apresentação, desenvolvimento e conclusão dos temas musicais presentes em cada obra
".

 Mas é nessa síntese feita pelo Felipe Salles, que fica mais evidente a questão da singularidade de cada interpretação. "A função do maestro é basicamente marcar o ritmo (tempo musical) certo e equilibrar as dinâmicas indicadas, mas seu potencial expressivo é o que dá a uma determinada interpretação uma certa singularidade em relação à outra (...)"².

Essa singularidade é óbvia quanto a qualquer intérprete. A música "Caça à raposa" é a mesma quando ouvimos o João Bosco, quando ouvimos a Elis ou o grupo Vésper?
A questão é que, num grupo, quem é, qual cérebro ou coração determina essa singularidade?
 A interpretação singular pode vir de um grupo de cérebros e corações? Ou os cérebros mais dotados (de conhecimento ou de velocidade de processamento) e os corações mais exaltados é que acabarão por impor sua visão singular à obra? Eu acredito que essa é a tendencia natural, a não ser que, artificialmente, o grupo imponha alguma outra maneira de proceder, mais democrática, mais anarquista ou outra proposta qualquer.
A não ser que o grupo tenha um condutor, o que é a grande maioria dos casos, dos grupos que conhecemos.
Porque num trabalho coral o tempo de preparação de uma obra é normalmente muito maior que num grupo instrumental, que numa orquestra. Temos felizmente, o tempo de absorver a obra em todas suas possíveis nuances. Então a interpretação, as dinâmicas e agógicas são absorvidas mais naturalmente, parece que tem um fluir mais natural que numa grande orquestra.

[Estou aqui recordando uma apresentação de música antiga no festival de Curitiba, um grupo instrumental pequeno, músicos que fizeram apenas um ensaio, sem regência; e a música fluir como se eles tivessem ensaiado por anos; mas é isso: um estilo de música que cada um deles faz há anos, seguindo linhas estéticas muito semelhantes, principalmente quanto às articulações, então o fazer musical flui como se fossem uma banda de rock, um trio de jazz, um grupo de pagode fazendo música no churrasco.]

Mas no vídeo abaixo, será que o maior papel do regente é de mostrar o tempo musical, lembrar a todos a dinâmica aplicada a cada parte da música?
Na primeira música notamos que a marcação do tempo musical é bem necessária, não pela existência de compassos variados mas pela liberdade temporal. Na segunda a marcação do tempo seria absolutamente desnecessária. Então o que ele faz ali de mais importante? E na terceira música é que vemos a maior função do condutor desse tesão de coral.

É aí que vemos a transcendência dos gestos. Significam um complexo de manifestações sonoras ritmicas, de dinâmica, de articulação e de várias pequenas nuances evidenciadas pelo som brotado daqueles corpos sonoros. Por isso que coral bom de se ouvir geralmente é coral bom de se ver. Ver fazendo música, ver como o som sai daquelas pessoas, ouvir o todo sonoro e ver o grupo todo como uma coisa só.

A técnica é a base para que possamos chegar a um alto grau de complexidade musical. Principalmente porque quando atingimos com um trabalho esse alto grau de complexidade a técnica parece que some, de tão integrada que fica.


Só nos resta estudar, né gente!!!

1. História da Regência Orquestral no século XIX - Carlos Kaminski
2. O Maestro - de Felipe Salles
3. A técnica do regente - o que há por trás dos gestos do regente - Angelo Bozzini

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Anônimo

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